Reflexão — Valdir Steuernagel
- Março-Abril 2001
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A missão é de Deus! E requer toda a nossa vida
Procurando um gancho
Eu não sou dessas pessoas que gostam de deixar as coisas para a última hora. Aliás, se eu tenho um defeito, é sofrer os assuntos com demasiada antecedência. Mas ainda assim não tem jeito e algumas coisas acabam não escapando dessa “última hora”. O artigo para a revista Ultimato está entre elas. Quem sabe seja porque escrever nunca é fácil para mim. É sempre uma pequena agonia.
E este artigo nasce também assim. Marcado pela busca de uma relação significativa com esta família de leitores. Quando, no final do ano passado, eu escrevi um pouco sobre Ana e Samuel em diálogo conosco, como igreja hoje e aqui, eu sabia que ainda tinha mais comida no prato, que o texto bíblico convidava a continuar conversando. E é isso que eu queria com o artigo de hoje. Peço desculpas por algumas dessas minhas reflexões virem tão demoradamente. Mas a Silêda, de quem sou esposo, diria que sou assim mesmo: começo a dizer uma coisa aqui e vou continuar lá adiante.
Samuel tinha mãe!
Samuel, como sabemos, desempenhou um relevante papel na história do povo de Israel. A sua liderança, num momento histórico de muita importância para o povo de Israel, foi inegável. Ele viveu num tempo em que o povo ainda tinha memória da experiência com Deus no deserto, mas tinha uma necessidade premente de olhar para a frente e se organizar como um povo histórico viável. E, nesse período de transição, Samuel exerceu a sua missão de juiz-profeta. Um verdadeiro estadista da fé.
Mas Samuel não surgiu do nada. Ele tinha mãe. Uma mãe que lhe preparou o caminho. Uma mãe que vivia a tradição da piedade e havia renovado a sua espiritualidade num encontro dramático com Deus. Acima de tudo, Samuel tinha uma mãe que era fiel a Deus.
Essa história nós conhecemos. Já me referi a essa mulher que não deixa de me cativar. Pelo realismo com o qual ela se coloca diante de Deus, falando da sua dor e da sua amargura. Pela intensidade e franqueza com que olha para Deus e clama para que Deus olhe para ela. Pela altivez com a qual enxuga as suas lágrimas e se coloca diante do sacerdote Eli com o coração transparente. Pela forma como se levanta do seu tempo de oração e encara a vida com segurança e esperança. E, não por último, pela firmeza com a qual cumpre a sua promessa a Deus, entregando o desejado filho ao seu serviço (1 Sm 1.1–2.16).
Samuel tinha mãe! E dela extraiu inspiração e modelo de vida, formando-o e animando-o a servir a Deus no decorrer de toda uma história.
A igreja tem mãe! A comunidade de fé tem mãe. Algo muito importante que deve ser lembrado cotidianamente. Reiteradamente. Não há cristão in vitro e aqui não há produção autônoma. Que o saibam todas as igrejas e todas as lideranças... e todos os pastores. Lideranças e pastores que, por vezes, pensam que se fizeram sozinhos e se comportam como aqueles de quem a igreja depende, como se esta fosse sua posse.
Não é demais, pois, ressaltar que a missão é de Deus e nós, frutos da comunidade da fé, mesmo que tenhamos nos convertido ao ouvir uma mensagem em um programa de rádio. Temos uma mãe (que pode até chamar-se Ana) e um pai (que dificilmente se chamará Elcana). São nossos pais e mães na fé.
Neste momento em que a igreja se expande e tantas de nossas lideranças vivem a tentação da corrida pelo sucesso, é importante ressaltar que Samuel não existe sem Ana e Elcana. E que a missão da igreja deve ser cumprida assim: cercada pela comunidade de fé e experimentada no universo dessa nuvem de testemunhas que compõem a caminhada histórica do povo de Deus.
Deus não precisa de heróis, mas de pessoas fiéis.
E assim Samuel vivia cada dia
À medida que vou acumulando anos de vida, os meus olhos passam a buscar outras coisas. Os anos reenfocam as perspectivas. E assim eu me percebo correndo os olhos pelas fileiras da vida, buscando os referenciais de homens e mulheres que estão amadurecendo e envelhecendo na fé. Aquela fidelidade que se acumula no decorrer dos anos, e tantas vezes sem desfiles nem bandeiras. É enigmático que a própria Bíblia não apresente tantas pessoas assim que exalam estes referenciais. Mas Samuel é um deles: um homem de Deus, fiel até a morte.
O seu ministério, ainda menino, começa com muito poder. Afinal, não é pouca coisa receber a palavra de Deus numa época em que essa própria palavra era rara. E ele começou a recebê-la nas barbas de um profeta chamado Eli, conforme o próprio texto detalha (1 Sm 3.1-14).
E assim Samuel servia a Deus e crescia. Crescia e servia a Deus. A sua mãe, que lhe fazia a túnica de cada ano, era testemunha desse crescimento. E o menino, que servia ao Senhor, tornou-se o jovem que servia ao Senhor. E Samuel tornou-se num andarilho da obediência, transformando-se num agente central de alguns dos momentos- chaves da história do povo de Israel: da unção à execração de Saul até a escolha e a unção de Davi. Samuel, pois, envelhece obediente ao voto de sua mãe e em seguimento à voz de Deus, que determinou a geografia da sua vida.
A missão — se diz, olhando para Samuel — é uma questão de vida. Vai da oração da mãe por um rebento até a cabeça branca e envelhecida deste andarilho do Senhor. A nossa igreja precisa de pessoas assim, que “têm mãe” e envelhecem no serviço do Senhor. E assim diz Samuel:
Agora, pois, eis que tendes o rei à vossa frente. Já envelheci e estou cheio de cãs, e meus filhos estão convosco; o meu procedimento esteve diante de vós desde a minha mocidade até ao dia de hoje (1 Sm 12.2).
Mas nem tudo vai bem em Siló
É impressionante como estamos nos tornando hedonistas; queremos ter prazer em tudo e a todo momento. Cada culto precisa ser muito bom, cada dia precisa ser uma vitória, cada evento, uma bênção. E a vida cristã, um sucesso.
Mas a vida não é assim. E a vida cristã também não. Há tempo de perguntar se tudo está bem, mas também há tempo para abraçar o outro em silêncio, como sinal da presença no luto. Há tempos na nossa vida que parecem uma colheita só. Mas o tempo do deserto, onde a aridez parece abundar, também tem o seu lugar e precisa ser acolhido. Na linguagem de Ana, há tempo de esterilidade e há tem-po de gravidez. Há tempo da oração da agonia e tempo da oração vitoriosa. Tem-po do choro e tempo da dança. E o autor de Eclesiastes sabia disso quando disse que “há tempo para todo propósito debaixo do céu” (Ec 3.1).
É importante aceitar que na vida cristã nem sempre vai tudo bem. Há situações que parecem não querer nos obedecer e momentos nos quais parece que as coisas estão descontroladas. Num momento, Samuel está lutando contra um povo que quer um rei, quando ele quer convencê-los de que isso não é preciso, porque Deus é o rei do povo (1 Sm 8). E, derrotado, ele é chamado por Deus a ungir o primeiro rei de Israel, na pessoa de Saul. Mas este mesmo Saul, que foi por Samuel ungido um dia, será por ele confrontado e afastado em outro dia.
Mas onde tudo isso se torna tão cruelmente realidade é na própria família de Samuel. Pois, assim como os filhos de Eli, também os filhos de Samuel não seguiram os caminhos do Senhor. E isso Samuel precisou ouvir da boca dos líderes do povo, quando eles lhe disseram, pedindo por um rei: “Vê, já estás velho, e teus filhos não andam pelos teus caminhos” (1 Sm 8.5). E, quebrantado, Samuel abaixa a cabeça e silencia. E o coração do pai sangra.
Na vida cristã é importante reconhecer as nossas dificuldades e aceitar as nossas limitações.
Apontando caminhos
Vou continuar meditando nessas coisas da família de Elcana, e gostaria de convidá-lo a fazer o mesmo. Mas hoje a gente encerra mais um capítulo desta reflexão e procura apontar em algumas direções.
É bom poder orar antes e depois da gravidez. Aquela Ana que, no templo, ora em agonia a Deus, compõe um dos mais bonitos cânticos da Bíblia. Um cântico de realização humana, gratidão a Deus e profundo conteúdo teológico. Um cântico que proclama a Deus como Senhor da história. E Senhor da igreja, diríamos hoje. Senhor de Ana e de Maria, cujo cântico é parecido com o de Ana. Senhor de Elcana e de José. Senhor meu e seu.
E não se deve esquecer de cumprir os votos da agonia, o que parece ser tão comum. Na luta contra a esterilidade, é tão normal que a gente busque a Deus! Mas, na festa da gravidez, é tão comum esquecermos de convidar aquele mesmo que um dia invocamos na angústia! Ao nos esquecermos do voto da agonia, estamos ajudando a comprometer a opção da próxima geração. Ou será mesmo que nossos filhos irão respeitar uma fé que não cumpre os votos que nascem banhados por esta mesma fé? O cumprimento do voto hoje é um sinal de fidelidade e um convite à fidelidade para a próxima geração.
E, de voto feito e de voto cumprido, a gente vai acumulando uma reserva de experiência e credibilidade histórica. Um legado inestimável à próxima geração. A fé cristã, que é pessoal, comunitária e histórica, vai sendo construída assim, no decorrer da própria história. E isto nós não podemos esquecer, ainda que sejamos filhos e filhas da cultura do imediatismo e do experimentalismo.
E que venham as cãs, mesmo que nem sempre tudo vá às mil maravilhas, como bem sabemos Ana, Samuel e nós mesmos. Mas Deus não promete constante bem-estar. O que Ele nos promete é fidelidade em cada esquina da vida. E o que Ele quer é falar conosco em cada etapa da nossa vida e desenvolvimento do processo histórico.
E assim nós clamamos hoje e amanhã, na esterilidade e na gravidez, que Deus fale conosco. Porque é esta palavra de Deus que alimentou a vida de Samuel e se constitui na fertilidade da nossa vida.
“Fala Senhor, que o teu servo ouve” (1 Sm 3. 9). Pois a missão é de Deus.
Valdir Steuernagel é pastor luterano e diretor do Centro de pastoral e Missão. É autor de Para Falar das Flores... e Outras Crônicas.
Eu não sou dessas pessoas que gostam de deixar as coisas para a última hora. Aliás, se eu tenho um defeito, é sofrer os assuntos com demasiada antecedência. Mas ainda assim não tem jeito e algumas coisas acabam não escapando dessa “última hora”. O artigo para a revista Ultimato está entre elas. Quem sabe seja porque escrever nunca é fácil para mim. É sempre uma pequena agonia.
E este artigo nasce também assim. Marcado pela busca de uma relação significativa com esta família de leitores. Quando, no final do ano passado, eu escrevi um pouco sobre Ana e Samuel em diálogo conosco, como igreja hoje e aqui, eu sabia que ainda tinha mais comida no prato, que o texto bíblico convidava a continuar conversando. E é isso que eu queria com o artigo de hoje. Peço desculpas por algumas dessas minhas reflexões virem tão demoradamente. Mas a Silêda, de quem sou esposo, diria que sou assim mesmo: começo a dizer uma coisa aqui e vou continuar lá adiante.
Samuel tinha mãe!
Samuel, como sabemos, desempenhou um relevante papel na história do povo de Israel. A sua liderança, num momento histórico de muita importância para o povo de Israel, foi inegável. Ele viveu num tempo em que o povo ainda tinha memória da experiência com Deus no deserto, mas tinha uma necessidade premente de olhar para a frente e se organizar como um povo histórico viável. E, nesse período de transição, Samuel exerceu a sua missão de juiz-profeta. Um verdadeiro estadista da fé.
Mas Samuel não surgiu do nada. Ele tinha mãe. Uma mãe que lhe preparou o caminho. Uma mãe que vivia a tradição da piedade e havia renovado a sua espiritualidade num encontro dramático com Deus. Acima de tudo, Samuel tinha uma mãe que era fiel a Deus.
Essa história nós conhecemos. Já me referi a essa mulher que não deixa de me cativar. Pelo realismo com o qual ela se coloca diante de Deus, falando da sua dor e da sua amargura. Pela intensidade e franqueza com que olha para Deus e clama para que Deus olhe para ela. Pela altivez com a qual enxuga as suas lágrimas e se coloca diante do sacerdote Eli com o coração transparente. Pela forma como se levanta do seu tempo de oração e encara a vida com segurança e esperança. E, não por último, pela firmeza com a qual cumpre a sua promessa a Deus, entregando o desejado filho ao seu serviço (1 Sm 1.1–2.16).
Samuel tinha mãe! E dela extraiu inspiração e modelo de vida, formando-o e animando-o a servir a Deus no decorrer de toda uma história.
A igreja tem mãe! A comunidade de fé tem mãe. Algo muito importante que deve ser lembrado cotidianamente. Reiteradamente. Não há cristão in vitro e aqui não há produção autônoma. Que o saibam todas as igrejas e todas as lideranças... e todos os pastores. Lideranças e pastores que, por vezes, pensam que se fizeram sozinhos e se comportam como aqueles de quem a igreja depende, como se esta fosse sua posse.
Não é demais, pois, ressaltar que a missão é de Deus e nós, frutos da comunidade da fé, mesmo que tenhamos nos convertido ao ouvir uma mensagem em um programa de rádio. Temos uma mãe (que pode até chamar-se Ana) e um pai (que dificilmente se chamará Elcana). São nossos pais e mães na fé.
Neste momento em que a igreja se expande e tantas de nossas lideranças vivem a tentação da corrida pelo sucesso, é importante ressaltar que Samuel não existe sem Ana e Elcana. E que a missão da igreja deve ser cumprida assim: cercada pela comunidade de fé e experimentada no universo dessa nuvem de testemunhas que compõem a caminhada histórica do povo de Deus.
Deus não precisa de heróis, mas de pessoas fiéis.
E assim Samuel vivia cada dia
À medida que vou acumulando anos de vida, os meus olhos passam a buscar outras coisas. Os anos reenfocam as perspectivas. E assim eu me percebo correndo os olhos pelas fileiras da vida, buscando os referenciais de homens e mulheres que estão amadurecendo e envelhecendo na fé. Aquela fidelidade que se acumula no decorrer dos anos, e tantas vezes sem desfiles nem bandeiras. É enigmático que a própria Bíblia não apresente tantas pessoas assim que exalam estes referenciais. Mas Samuel é um deles: um homem de Deus, fiel até a morte.
O seu ministério, ainda menino, começa com muito poder. Afinal, não é pouca coisa receber a palavra de Deus numa época em que essa própria palavra era rara. E ele começou a recebê-la nas barbas de um profeta chamado Eli, conforme o próprio texto detalha (1 Sm 3.1-14).
E assim Samuel servia a Deus e crescia. Crescia e servia a Deus. A sua mãe, que lhe fazia a túnica de cada ano, era testemunha desse crescimento. E o menino, que servia ao Senhor, tornou-se o jovem que servia ao Senhor. E Samuel tornou-se num andarilho da obediência, transformando-se num agente central de alguns dos momentos- chaves da história do povo de Israel: da unção à execração de Saul até a escolha e a unção de Davi. Samuel, pois, envelhece obediente ao voto de sua mãe e em seguimento à voz de Deus, que determinou a geografia da sua vida.
A missão — se diz, olhando para Samuel — é uma questão de vida. Vai da oração da mãe por um rebento até a cabeça branca e envelhecida deste andarilho do Senhor. A nossa igreja precisa de pessoas assim, que “têm mãe” e envelhecem no serviço do Senhor. E assim diz Samuel:
Agora, pois, eis que tendes o rei à vossa frente. Já envelheci e estou cheio de cãs, e meus filhos estão convosco; o meu procedimento esteve diante de vós desde a minha mocidade até ao dia de hoje (1 Sm 12.2).
Mas nem tudo vai bem em Siló
É impressionante como estamos nos tornando hedonistas; queremos ter prazer em tudo e a todo momento. Cada culto precisa ser muito bom, cada dia precisa ser uma vitória, cada evento, uma bênção. E a vida cristã, um sucesso.
Mas a vida não é assim. E a vida cristã também não. Há tempo de perguntar se tudo está bem, mas também há tempo para abraçar o outro em silêncio, como sinal da presença no luto. Há tempos na nossa vida que parecem uma colheita só. Mas o tempo do deserto, onde a aridez parece abundar, também tem o seu lugar e precisa ser acolhido. Na linguagem de Ana, há tempo de esterilidade e há tem-po de gravidez. Há tempo da oração da agonia e tempo da oração vitoriosa. Tem-po do choro e tempo da dança. E o autor de Eclesiastes sabia disso quando disse que “há tempo para todo propósito debaixo do céu” (Ec 3.1).
É importante aceitar que na vida cristã nem sempre vai tudo bem. Há situações que parecem não querer nos obedecer e momentos nos quais parece que as coisas estão descontroladas. Num momento, Samuel está lutando contra um povo que quer um rei, quando ele quer convencê-los de que isso não é preciso, porque Deus é o rei do povo (1 Sm 8). E, derrotado, ele é chamado por Deus a ungir o primeiro rei de Israel, na pessoa de Saul. Mas este mesmo Saul, que foi por Samuel ungido um dia, será por ele confrontado e afastado em outro dia.
Mas onde tudo isso se torna tão cruelmente realidade é na própria família de Samuel. Pois, assim como os filhos de Eli, também os filhos de Samuel não seguiram os caminhos do Senhor. E isso Samuel precisou ouvir da boca dos líderes do povo, quando eles lhe disseram, pedindo por um rei: “Vê, já estás velho, e teus filhos não andam pelos teus caminhos” (1 Sm 8.5). E, quebrantado, Samuel abaixa a cabeça e silencia. E o coração do pai sangra.
Na vida cristã é importante reconhecer as nossas dificuldades e aceitar as nossas limitações.
Apontando caminhos
Vou continuar meditando nessas coisas da família de Elcana, e gostaria de convidá-lo a fazer o mesmo. Mas hoje a gente encerra mais um capítulo desta reflexão e procura apontar em algumas direções.
É bom poder orar antes e depois da gravidez. Aquela Ana que, no templo, ora em agonia a Deus, compõe um dos mais bonitos cânticos da Bíblia. Um cântico de realização humana, gratidão a Deus e profundo conteúdo teológico. Um cântico que proclama a Deus como Senhor da história. E Senhor da igreja, diríamos hoje. Senhor de Ana e de Maria, cujo cântico é parecido com o de Ana. Senhor de Elcana e de José. Senhor meu e seu.
E não se deve esquecer de cumprir os votos da agonia, o que parece ser tão comum. Na luta contra a esterilidade, é tão normal que a gente busque a Deus! Mas, na festa da gravidez, é tão comum esquecermos de convidar aquele mesmo que um dia invocamos na angústia! Ao nos esquecermos do voto da agonia, estamos ajudando a comprometer a opção da próxima geração. Ou será mesmo que nossos filhos irão respeitar uma fé que não cumpre os votos que nascem banhados por esta mesma fé? O cumprimento do voto hoje é um sinal de fidelidade e um convite à fidelidade para a próxima geração.
E, de voto feito e de voto cumprido, a gente vai acumulando uma reserva de experiência e credibilidade histórica. Um legado inestimável à próxima geração. A fé cristã, que é pessoal, comunitária e histórica, vai sendo construída assim, no decorrer da própria história. E isto nós não podemos esquecer, ainda que sejamos filhos e filhas da cultura do imediatismo e do experimentalismo.
E que venham as cãs, mesmo que nem sempre tudo vá às mil maravilhas, como bem sabemos Ana, Samuel e nós mesmos. Mas Deus não promete constante bem-estar. O que Ele nos promete é fidelidade em cada esquina da vida. E o que Ele quer é falar conosco em cada etapa da nossa vida e desenvolvimento do processo histórico.
E assim nós clamamos hoje e amanhã, na esterilidade e na gravidez, que Deus fale conosco. Porque é esta palavra de Deus que alimentou a vida de Samuel e se constitui na fertilidade da nossa vida.
“Fala Senhor, que o teu servo ouve” (1 Sm 3. 9). Pois a missão é de Deus.
Valdir Steuernagel é pastor luterano e diretor do Centro de pastoral e Missão. É autor de Para Falar das Flores... e Outras Crônicas.
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