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Opinião

Apocalipse nos trópicos: dos perigos da aliança entre religião e política

Se Cristo voltará e os salvos vão para o céu, para que se preocupar com uma questão tão mundana como a política?

Por Carlos Caldas

Apocalipse nos trópicos, disponível na Netflix, é uma produção da cineasta brasileira Petra Costa, que também assina, entre outros, Democracia em vertigem, de 2019, indicado ao Oscar na categoria Melhor Documentário.

O documentário em questão, que tem dado o que falar, trata, de uma maneira mais ampla, das relações possíveis entre religião e política. De uma maneira mais particular, trata especificamente do envolvimento recente de evangélicos com a política brasileira. O documentário tem muitas cenas da invasão dos Três Poderes em Brasília e o quebra-quebra que se seguiu no dia 8 de janeiro de 2023, e entrevistas e cenas de momentos da intimidade familiar de figuras como o Presidente Lula e o líder político-religioso Silas Malafaia, além de comentários da própria Petra.

Religião e política, para o bem ou para o mal, sempre andaram de mãos dadas. Na maioria das vezes, mais para o mal que para o bem. A história está cheia de casos em que a religião serviu como elemento justificador de um regime político. Se um governante se apresenta aos seus liderados como um “ungido” de Deus e se “representantes” (entre muitas, muitas aspas) de Deus outorgam autoridade supostamente celestial a este governante, tem-se a receita garantida para um desastre. Não sem razão C. S. Lewis afirmou em um de seus ensaios que a teocracia é o pior de todos os regimes políticos.1

Além disso, durante décadas os evangélicos brasileiros, em sua quase totalidade, salvo uma ou outra exceção, entenderam que a política é um terreno a ser evitado, pois era vista como algo sujo, potencialmente perigoso, capaz de distrair os crentes de sua missão principal, qual seja, evangelizar, “ganhar almas para Jesus”. E, se Cristo voltará e os salvos vão para o céu, para que se preocupar com uma questão tão mundana como a política? Esta foi a mentalidade dominante dos evangélicos no Brasil durante muito tempo.

Todavia, pelo menos desde os anos de 1980 esta mentalidade vem mudando aos poucos.2 E desde então, em paralelo com o crescimento numérico evangélico no país (em sua maior parte, pentecostal e, mais recentemente, neopentecostal), tem aumentado também cada vez mais a inserção de evangélicos na política nacional.

É justamente este o contexto de Apocalipse nos trópicos, que pretende ser uma análise crítica da participação dos evangélicos no cenário político brasileiro contemporâneo. A produção apresenta, em tom de denúncia, a influência de Silas Malafaia neste processo. De fato, são muitas entrevistas com o pastor que fundou sua própria “ordem”, a ADVEC, Assembleia de Deus Vitória em Cristo. Malafaia não esconde a perspectiva teológica que orienta suas ações: a “teologia dos sete montes”, uma leitura, no mínimo, criativa e curiosa de Apocalipse 17.9: “Aqui está o sentido, que tem sabedoria: As sete cabeças são sete montes, nos quais a mulher está sentada”. Em uma interpretação alegórica, uma eisegese3, a teologia dos sete montes defende que os cristãos devem exercer domínio em sete áreas na sociedade, a saber: família, educação, religião, governo, mídia (meios de comunicação, imprensa), entretenimento (cultura e arte) e economia. Desnecessário dizer que o texto do Apocalipse não fala nada disso. Esta é mais uma (das muitas) vezes que o último livro do Novo Testamento é maltratado hermeneuticamente. No entanto, esta leitura, por mais equivocada que seja, atrai, e Malafaia a assumiu completamente. A propósito, “Apocalipse” entra no título do documentário de Petra Costa. Ela segue uma visão popular, mas igualmente equivocada, que associa o Apocalipse à desgraça e destruição, “fim do mundo”. Na verdade, a mensagem do Apocalipse de João é de esperança, não de terror. A última palavra na história é e será a do projeto do amor e da justiça de Deus. Petra Costa parece não ter conhecimento do que de fato significa o Apocalipse bíblico.4 Para o controvertido líder religioso, agora é a hora da igreja assumir seu papel de domínio na sociedade, sendo Jair Bolsonaro o “ungido” de Deus para liderar os cristãos nesta “tomada de poder”.



Mas o documentário tem alguns limites, o que é compreensível, considerando que Petra Costa não é especialista nem em estudos de religião, nem em sociologia e nem em ciência política. E são estes os temas do seu trabalho: religião e política. Apocalipse nos trópicos sugere ou insinua que todos os evangélicos do Brasil são “malafaianos”, o que definitivamente não é verdade. A perspectiva adotada por Malafaia é com certeza a de mais da metade dos evangélicos do país, e de muitos outros líderes que se apresentam como evangélicos e que também desfrutam de grande visibilidade na mídia e nas redes sociais. Só que esta perspectiva não é a única. Há outros líderes evangélicos, também midiáticos, que talvez não tenham os mesmos números de Malafaia, mas que são críticos contundentes das posições teológicas e ideológicas do religioso carioca. Só para citar alguns, todos bastante conhecidos: Antonio Carlos Costa, Ed René Kivitz, Sergio Dusilek, Henrique Vieira, Ricardo Gondim, Aava Santiago, Marina Silva e Eliziane Gama. Algumas destas figuras ocupam cargos públicos: Henrique Vieira é deputado federal pelo Rio de Janeiro, Aava Santiago é vereadora em Goiânia, Marina Silva é Ministra do Meio Ambiente e Eliziane Gama é senadora pelo Maranhão. Todos são evangélicos praticantes, e nenhum deles apoia a perspectiva criticada no documentário de Petra Costa. No entanto, ela não entrevistou nenhum deles. Desta maneira, alguém que não conhece o mundo evangélico brasileiro poderá pensar que todo evangélico é seguidor da teologia ideológica de Malafaia.

Outro limite do documentário está em outra insinuação: só evangélicos apoiam Bolsonaro, e seu profeta, Malafaia. Petra não leva em conta que muitos católicos (notadamente da renovação carismática), espíritas kardecistas e mesmo seguidores de religiões de matriz africana são tão bolsonaristas quanto os evangélicos seguidores de Malafaia.

Nesta mesma linha: o documentário insinua que a extrema direita é uma espécie de criação de evangélicos brasileiros. Se fosse assim, não existiria extrema direita em países de pouca, ou pouquíssima população evangélica, como muitos países da Europa Ocidental nos quais a extrema direita tem crescido.

Enfim, o trabalho de Petra Costa tem méritos e limites. Ela acerta em criticar Malafaia, que tem uma inegável sede de poder, contrária ao espírito do evangelho de Jesus Cristo que disse que não veio para ser servido, mas para servir (Mc 10.45). Logo, quem segue a Jesus deve buscar servir, e não exercer poder na sociedade, como Malafaia quer. Mas tem limites, como os apontados. Finalizando: quem não assistiu, deve assistir.

Notas
1. A afirmação de Lewis a respeito aparece em C. S. Lewis. Uma resposta ao Professor Haldane. In Sobre histórias. Rio de Janeiro: Thomas Nelson, 2018, p. 137-138, ênfases acrescentadas. Para detalhes, consulte
aqui.

2. Em 1986 Josué Sylvestre, membro da Assembleia de Deus, publicou o livro Irmão vota em irmão, atualmente esgotado. No livro, o autor defendia a tese exposta em seu título: “crente” deve votar em “crente”.

3. A exegese procura extrair o sentido e o significado do texto, enquanto a eisegese faz o contrário, ou seja, introduz ideias do leitor no texto.

4. O uso que Petra Costa faz da palavra “Apocalipse” em seu documentário é criticado pela jornalista e cientista da religião Magali Cunha em seu texto ‘Apocalipse nos trópicos’ faz uma leitura alegórica e conservadora de Apocalipse. Disponível
aqui.



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Saiba mais:
» Live de Diálogos de Esperança “Os novos cenários da Igreja Evangélica Brasileira: o que o IBGE revelou?
» O Que Cristo Pensa da Igreja – A mensagem das sete cartas de Apocalipse, John Stott
É professor do Programa de Pós-Graduação em Ciências da Religião da PUC Minas, onde coordena o GPRA – Grupo de Pesquisa Religião e Arte.
  • Textos publicados: 91 [ver]

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