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Opinião

O que significa ser evangélico na América Latina: FTL 50 anos

Por Carlos Caldas
 
1970. Em muitos países da América Latina, juntas militares estão a governar com mão de ferro. O Brasil não é exceção, pois já há 6 anos vivia um momento não democrático, com um governo de exceção , não eleito pelo povo – na verdade, o Brasil foi o primeiro país latino-americano a ter governo militgar. O Ato Institucional Número 5, instituído dois anos antes pelo então Presidente Artur da Costa e Silva estava em vigor. Ao mesmo tempo, o país vivia a euforia da conquista do tricampeonato mundial de futebol, na Copa do México. 

Neste mesmo ano na cidade boliviana de Cochabamba aconteceu uma reunião de teólogos evangélicos que resultou na organização de uma entidade que viria a ter muita influência no protestantismo continental nos anos que se seguiriam. A entidade em questão é a Fraternidade Teológica Latino-Americana – FTL – conhecida carinhosamente como “Fratela”. Apenas um brasileiro participou daquela reunião histórica, a saber, o saudoso Robinson Cavalcanti, de abençoada memória. 
 
A FTL surgiu com a proposta de pensar o que significa ser evangélico na América Latina. Para tanto e portanto duas questões se tornaram centrais neste processo de reflexão: a reflexão sobre o que significa ser evangélico e a questão contextual da identidade latino-americana. Os pioneiros da FTL entenderam, acertadamente, diga-se de passagem, que o contexto político, econômico, histórico, cultural, simbólico ou qualquer outro não pode ser desconsiderado na vivência da fé. Afinal, a fé cristã não é e nem pode ser interpretada e vivida como uma simples cópia de um modelo norte-atlântico de matriz anglo-saxã ou germânica, e nem é uma realidade apenas “espiritual” da “alma”, algo etéreo e estratosférico. 
 
É bom que se diga que a FTL jamais teve a intenção de querer inventar a roda outra vez. O que se propõe, tal como afirmado, é pensar a fé no chão da história, e não “nas nuvens”. Neste sentido, a FTL foi pioneira na proposta de uma teologia contextual, pois sua organização antecede as primeiras publicações da teologia da libertação de corte católico.
 
Iniciou-se então uma trajetória bastante interessante. A partir das reflexões de uma (hoje) “velha guarda” – los viejos leones – pensadores como o equatoriano René Padilla, os peruanos Pedro Arana e Samuel Escobar, o porto-riquenho Orlando Costas, o colombiano Luciano Jaramillo, o mexicano Rolando Gutiérrez- Cortez, o já mencionado brasileiro Robinson Cavalcanti e norte-americanos natos mas latino-americanos de coração, como Sidney Rooy e Juan Stam, e outros mais, foi produzida uma teologia rica, densa e profundamente bíblica, leal às bandeiras da Reforma Protestante do século XVI e desejosa de responder aos questionamentos levantados pelo contexto de vida latino-americano. É preciso se lembrar do óbvio: a América Latina de meio século atrás era bastante diferente da de hoje. 
 
Uma das mais notáveis realizações da FTL foi a organização do CLADE – Congresso Latino-Americano de Evangelização. Na verdade, o CLADE I antecede à organização da Fratela, pois aconteceu em Bogotá em 1969 por iniciativa do ministério evangelístico de Billy Graham. Mas os latino-americanos assumiram a organização do evento, e realizaram dez anos depois do primeiro o CLADE II em Lima. Desta feita, um grupo maior de brasileiros participou, incluindo figuras como o também saudoso Elben Cesar e um Caio Fábio D”Araújo Filho em início de ministério. O CLADE II teve como tema “Que a América Latina ouça a voz de Deus”, eco do famoso Congresso de Lausanne de 1974, cujo tema fora “Que o mundo ouça a voz de Deus”. Em 1992, a propósito dos 500 anos da “descoberta” (entre muitas aspas) da América pelos europeus realizou-se em Quito o CLADE III e nesta mesma cidade, em 2000 o CLADE IV. 
 
A FTL tem tido ao longo deste meio século um ministério mais ativo no mundo hispânico que no nosso mundo luso. No Brasil a entidade tem vivido altos e baixos, momentos de atividade intensa intercalados por outros de “invisibilidade”, por assim dizer. Mesmo nos momentos de presença dinâmica no cenário evangélico nacional percebia-se diferença entre núcleos (os polos regionais ou municipais), uns mais ativos que outros. Na década de 1980 a FTL-Brasil publicou regulamente o periódico Boletim da Fraternidade Teológica Latino-Americana – Brasil. Mas é necessário ter em mente que a FTL nunca foi nem pretendeu ser um movimento de massas. Antes, pretendeu ser um movimento de formação de quadros e articulação de um pensamento evangélico que, não é demais repetir, levasse em consideração a realidade contextual concreta. Neste sentido, a FTL, tanto o braço brasileiro como o do mundo hispano-americano, andou lado a lado com o CEBEP, o Centro Evangélico Brasileiro de Estudos Pastorais, divisão de língua portuguesa do CELEP, Centro Latinoamericano de Estudios Pastorales, entidade organizada pelo já mencionado Orlando Costas. 
 
A principal marca da FTL é a TMI, a Teologia da Missão Integral. Ao se comentar sobre a TMI há que se lembrar que devido à influência de nomes também já mencionados como René Padilla e Samuel Escobar no Congresso de Lausanne de 1974 o famoso documento produzido como expressão da convicção teológica daquele evento fala na proclamação do “evangelho todo para todo homem e para o homem todo” – a expressão “o homem todo” é particularmente importante, pois destaca que o evangelho não é só para a “alma”. Há que se destacar também a sensibilidade de John Stott, presidente da comissão de redação do documento do congresso: muitíssimo provavelmente a contribuição latino-americana teria sido deixada de fora do texto final do Pacto de Lausanne se fosse outro a presidir o processo de confecção daquele texto. 
 
Recentemente no Brasil alguns líderes evangélicos de grande visibilidade midiática têm criticado a TMI, acusando-a de usar um instrumental marxista como referencial teórico. A crítica não procede. Quem diz isso nunca leu nada das fontes primárias da TMI latino-americana nem dos textos de Marx, ou, se leu, não entendeu nem um nem outro. E, a pior das hipóteses, se leu e entendeu, age de má fé ao divulgar algo que simplesmente não é verdade. Outra crítica que tem sido feita à TMI é que esta não se constitui em um sistema teológico completo. Mais uma vez, uma crítica que não procede. A TMI que a FTL produziu e produz, promoveu e promove, divulgou e divulga, jamais pretendeu ser um “sistema teológico completo”. Criticar a TMI por não ser um sistema teológico completo é o mesmo que criticar um círculo por não ter ângulos retos...
 
Passado meio século de sua organização, a FTL enfrenta novos desafios, pois o contexto latino-americano mudou muito nestas últimas cinco décadas. Novos nomes têm surgido, figuras que têm produzido novas reflexões. Dentre estes destaca-se o colombiano Harold Segura. É uma pena que muitos evangélicos brasileiros sejam capazes de dizer nomes de dez teólogos do mundo anglo-saxão, mas não conseguem mencionar dois latino-americanos. Não se está a defender uma xenofobia teológica com este lamento, pois a teologia é e deve ser feita em diálogo intercontinental, intercultural e interdenominacional. Mas é triste perceber que um material rico, denso e profundo produzido por pensadores latino-americanos segue em grande parte ignorado de grande parte dos evangélicos, pelo menos no Brasil. Mais um desafio para a produção teológica contextual e autóctone em nosso continente. A luta continua. 

 
É professor do Programa de Pós-Graduação em Ciências da Religião da PUC Minas, onde coordena o GPRA – Grupo de Pesquisa Religião e Arte.
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