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Opinião

O perigo da naturalização do feminicídio

Depois de ser atirada pela janela de um prédio, mulher tem o corpo pisoteado tão violentamente que fica irreconhecível

Por Lidice Meyer Pinto Ribeiro

Um dos episódios mais violentos de feminicídio na Bíblia tem sido considerado por muitos, mulheres inclusive, como justificado. Uma mulher é traída por dois homens com quem convivia diariamente. Depois de ser atirada pela janela do alto de um prédio, tem seu corpo pisoteado tão violentamente por cavalos que ao fim, se encontra irreconhecível de tão despedaçado. Apesar de ter sangue real, foi-lhe negada até mesmo uma sepultura. Trata-se do assassinato à sangue-frio da rainha Jezabel que reinou em Israel no século 9 a.C. (2Rs 9.33-35). Uma morte cruel, sanguinária e degradante que é naturalizada em nossas igrejas como tendo sido merecida e justificada, já que a rainha é descrita como sendo idólatra e estrangeira. 

Curiosamente, outro caso de feminicídio no Antigo Testamento causa comoção e indignação na igreja tanto entre as mulheres como entre os homens. Trata-se da terrível narrativa em Juízes 19 que envolve a concubina de um homem da tribo de Levi. A trama relatada conduz a um estupro coletivo que leva à morte da mulher. O crime abominável acaba gerando uma guerra civil que divide as tribos de Israel. Ao final da guerra, ainda há o relato repulsivo do sequestro de mulheres para casamentos forçados, mantendo o ciclo de violência sexual. 

O que torna o feminicídio de Jezabel justificado e o da concubina injustificado? O que os torna diferentes aos nossos olhos já que ambos são consequências de violência masculina sobre o corpo de uma mulher? Não teremos naturalizado o feminicídio de mulheres não israelitas, tantas vezes referidas no Antigo Testamento como sendo as causadoras do desvio dos caminhos de Deus (Nm 31.14-18)?



Na verdade, os dois feminicídios, de Jezabel e da concubina sinalizam um sistema em desequilíbrio que leva a resultados catastróficos. As duas histórias denunciam o resultado do distanciamento da vontade de Deus. O fato da terrível história da concubina ser o fecho de um livro que traz exemplos de mulheres fortes que protagonizam vitórias como Débora e Jael é muito significativo. O autor intencionalmente quer mostrar o contraste entre a relação de equidade de gêneros no início do livro (Jz 1.11; 5.32) e a violência gerada pelo desequilíbrio social que ele atribui ao afastamento progressivo de Deus (Jz 17.6; 21.25). Tanto o crime cometido contra a concubina como contra as jovens sequestradas e violadas não ficam impunes. Ou são os homens que buscam a vingança ou o próprio Deus que envia sanções contra o povo, diminuindo o território de suas fronteiras. Da mesma forma, apesar de predito pelo profeta Elias (1Rs 21.23), o feminicídio de Jezabel não fica impune aos olhos de Deus. Jeú, seu assassino, não é bem-sucedido em seu reinado sendo derrotado com a perda de mais territórios para Israel (2Rs 10.31-33).

Deus estabeleceu um padrão de valores igualitário na criação: “Deus criou o ser humano à sua imagem, Ele os criou homem e mulher.” (Gn 1.27) A violência entre os gêneros nasce da quebra do ideal divino para a humanidade. Nenhuma forma de violência é justificável aos olhos de Deus: “O Senhor perscruta o justo e o ímpio, mas odeia os que amam a violência.” (Sl 11.5) Ao justificarmos a violência cometida contra Jezabel enquanto nos escandalizamos com a violência exercida contra a concubina, corremos o risco de naturalizarmos o feminicídio em uma balança com “dois pesos e duas medidas”. 

Imagem: Aurélia de Sousa (1866-1922) - Jezebel eaten by dogs. In the collection of the Museu Nacional Soares dos Reis, Porto.


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Lidice Meyer P. Ribeiro é doutora em Antropologia e professora na Universidade Lusófona, Portugal. É autora de, entre outros, Cristianismo no Feminino – o papel da mulher na vida da Igreja (Editora Mundo Cristão).
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