Opinião
20 de maio de 2014
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A mulher dominada e oprimida na igreja

Questões que se referem ao “todo” da sociedade humana também não entram na maioria das comunidades cristãs. Direitos dos pobres, dos explorados e marginalizados, relação de justiça com a natureza e o mundo criado, violência estrutural, fazem parte do círculo vicioso onde está inserida a mulher e suas responsabilidades. Aqui, tantas vezes, com a mulher fazendo parte, ou, pervertida, sendo solidária com o explorador e dominador. Mulheres vestindo a pele do predador não constituem novidade, a exemplo daquela pesquisa recente sobre o consentimento do estupro1. Consequência da contaminação cultural da qual não se isenta a igreja. Nem a mulher na sociedade autoritária.
É duríssimo para a mulher libertária que o preconceito androcêntrico onipresente a exclua da velocidade necessária, e só lhe conceda o alcance gota a gota dos direitos fundamentais, no trabalho, na transmissão cultural, nas lutas por direitos humanos e sociais, por exemplo. Dentro da Igreja, é preciso tirar as máscaras da objetividade masculina contra a subjetividade feminina, aparentemente harmonizadas no culto e no serviço. Principalmente quando se evidencia a presença do divino sem exclusivismo de gênero. A presença visível perceptível, “teofania”, comunicação de Deus em Jesus Cristo, clama por justiça através de relações recíprocas de justiça entre homens e mulheres. Nada mais forte, nessa teologia, que a medida do humano alcançando o homem e a mulher nas dimensões mais profundas do ser libertário, na luta contra o sofrimento da humanidade. Isso é mais e maior que tudo.
Perigos de guerra, comoções, riscos sociais, violência e opressão, perseguição por causa da busca da liberdade, ocasionam sofrimento a homens e mulheres, de igual modo. Por que os gastos exorbitantes com a Copa do Mundo, a distribuição de renda entre os famintos e miseráveis, as questões que envolvem o trabalho, a urbanização humanizada e mobilidade urbana, não interessariam à mulher? Indistintamente. Não há sentido algum na discriminação da mulher, não há isenção feminina nestas situações, especialmente porque seu sofrimento é ainda maior que o do homem, nestes cenários.
É preciso dizer que o Novo Testamento incorporou a ideologia patriarcal herdada do judaísmo e da cultura greco-romana nos chamados códigos de conduta doméstica (Col 3.18-19; Ef 5.22-24; 1Pe 2.13). Na Primeira Carta aos Coríntios (14.34-35), há o intento de calar as mulheres reduzindo-as ao direito de apenas profetizar. As proibições para as mulheres, relativas a ensinar, batizar, dirigir a Ceia do Senhor, continuaram em documentos posteriores. No período pós-apostólico, ou na segunda geração da igreja inicial, as mulheres, no oficialato eclesiástico, tinham funções consideravelmente diminuídas em importância2. O bispo eliminava até a autorização de profetizar. A igreja se institucionalizara.
Deve-se isso à forte pressão da cultura patriarcal greco-romana. A comunidade local, casa-igreja, é comparável a um aparelho subversivo na igreja patriarcal posterior. Porém, onde estariam as mulheres judias do movimento de Jesus? Inventa-se, depois, uma forma de domínio para submeter a mulher ao que se chamaria “patriarcado amoroso”. Sabiamente, Elza Tamez recusa esse eufemismo sugerindo: “patriarcalismo de amor é uma denominação que não diz nada, porque não deixa de ser patriarcalismo”.
Quando Paulo fala do sofrimento como “synodinei”, “dores de parto” (Rm 8.18-25), refere-se ao “presente” de todos os seres criados, porém, na esperança: “um dia o Universo ficará livre do poder destruidor que o mantém escravo”. A mulher sabe muito bem o que é “dor de parto”3. Talvez só ela saiba. Maria, mulher exemplar no Evangelho, dá à luz uma criança que vem para simbolizar todas as liberdades. Com dor. Sabe que dessas dores não nasce a morte, mas sim a vida diante de Deus. Vida para toda a Criação, pelo parto do Salvador.
Hoje, o desafio é trazer à teologia “ierusalemita” (centrada no judaísmo “cristão”)4 dos ministérios – uma vez que os 15 primeiros capítulos de Atos se apegam aos acontecimentos iniciais da comunidade espiritual de Jerusalém – o que foi incorporado pela teologia paulina das liberdades e dos direitos na comunidade dos fiéis à concepção de inclusão de gênero: “...não há homem ou mulher... pois todos sois um em Cristo Jesus” (Gl 3.26-29). Isso sem esquecer que o “sacerdócio real de todos os crentes” não exclui a mulher dos ministérios e da vida de serviço da Igreja de Cristo. Pela Graça de Deus.
Nota:
1. IPEA – Folha de S. Paulo – 2014/04/14.
2. Elza Tamez
3. Helen Shüngel-Straumann
4. Há muitos que ignoram não ser o cristianismo um prolongamento do judaísmo.
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É pastor emérito da Igreja Presbiteriana Unida do Brasil e autor de livros como “Pedagogia da Ganância" (2013) e "O Dragão que Habita em Nós” (2010).
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