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Colunas — Da linha de frente

Justiça, uma virtude horizontal

Joseph Zintzeme é um africano de Camarões. Nasceu pobre em uma das minorias tribais e, quando adolescente, conheceu o evangelho. Hoje trabalha como missionário, viajando o mundo inteiro, falando de reconciliação e perdão. Tem uma voz tonitruante e um riso alto que se escuta à distância. Assim me contou sua história.
 
“Eu tinha uma raiva muito grande de branco. Queria justiça. Minha gente era pobre, os brancos são ricos; nos fizeram de escravos e isto é injusto. Por mais que tentasse, eu não conseguia gostar deles. Porém, queria servir a Deus. Sabia que meu horizonte era maior; queria sair de minha vila, de meu país, pregar pelo mundo afora. Um dia eu estava orando e Deus me falou: ‘Joseph, eu abomino as suas orações’”. Ele disse e começou a rir. Eu dei um sorriso, meio sem entender a risada fora de lugar. “‘Abomino’, disse Deus. Imagine, escutar isso dele. Não é fácil. Perguntei a razão; eu queria saber, é claro, e ele me disse: ‘Porque você odeia brancos. Quem me serve não pode odiar ninguém, porque eu amo a todos’. Aí eu entendi o que era servir a Deus. Perdoei.”
 
Depois disso, Deus levou Joseph para pregar em muitos lugares e hoje ele tem um ministério intenso nas igrejas negras americanas.
 
Muitas das virtudes morais proclamadas na Bíblia são horizontais. Por exemplo, lemos em Romanos 12.18: “[...] tende paz com todos os homens”. Elie Wiesel diz que “Deus não nos dá paz, mas nós nos damos paz uns aos outros”. Da paz de espírito produzida pela capacidade de se perdoar e se harmonizar consigo mesmo até a paz com os homens, a nossa participação é mais importante do que a intervenção sobrenatural de Deus.
 
A justiça é outra virtude essencialmente horizontal, apesar de pensarmos nela verticalmente. Queremos que Deus, o governo, a liderança sobre nós produza justiça de cima para baixo. Mas não funciona assim. A Bíblia nos comanda uma justiça horizontal – justiça como fruto de como tratamos uns aos outros. Foi o que Joseph entendeu quando se libertou de seu ódio e passou a pregar reconciliação. O ato de justiça que Deus pedia dele era o perdão. Por meio do perdão ele libertaria a si mesmo. Injusto seria se ele continuasse em sua prisão pessoal de amargura. O perdão lhe deu o entendimento do que é a verdadeira justiça e de sua dimensão horizontal. Quando perdoamos, passamos o peso de ter de agir corretamente para o outro. Quando nos reconciliamos uns com os outros, produzimos a justiça que vem de Deus, permitindo empatia, misericórdia, compaixão, ajuda mútua, restituição. Ódio só produz ódio. A verdadeira justiça é produzida pelo perdão.
 
Na África pós-apartheid, Nelson Mandela aplicou justiça horizontal para salvar o país dividido por um iminente banho de sangue. Estabeleceu tribunais horizontais de confissão e reconciliação. Em todos os lugares onde houve lutas armadas, divisões, mortes, se instituíram pequenos comitês populares de “Verdade e Reconciliação” (Truth and Reconciliation Comission). Nos comitês se expressava dor, se chorava as injustiças das mortes, dos estupros, dos abusos. Contudo, o resultado final era o perdão. As partes envolvidas se perdoavam e seguiam em frente para criar um país diferente, estabelecido na justiça da reconciliação.
 
Entender justiça como uma virtude horizontal é contra o senso comum. Viver na prática dela nos torna radicais e subversivos, como têm de ser aqueles que amam a Deus. 
 
• Bráulia Ribeiro trabalhou na Amazônia durante trinta anos. Hoje mora em Kailua- Kona, no Havaí, com sua família e está envolvida em projetos internacionais de desenvolvimento na Ásia. É autora de Chamado Radical. braulia_ribeiro@yahoo.com

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