Ao entrar no restaurante escolhemos uma mesa para dois, pois queríamos ficar sozinhos e tranquilos. O ambiente externo era quente e abafado, mas o ambiente refrigerado do restaurante nos fez bem e encontrar uma mesa bem na beira de um belo rio foi um presente. Perfeito! Estávamos prontos para degustar o café naquela manhã tailandesa.
 

Aos poucos, no entanto, outros foram chegando e se identificando. Afinal, estavam ali com o mesmo propósito nosso, e Silêda e eu é que deveríamos recebê-los para o encontro de casais que iríamos ministrar a um grupo de líderes da Visão Mundial na Ásia. Um casal era filipino e a exuberância de sua juventude nos encantou. O casal indonésio era mais maduro e os dois, tranquilos, foram sentar-se em outra mesa. Havia um casal chinês, envolvido com o cuidado dos nossos obreiros espalhados naquele país. E assim o grupo foi se formando e fomos encontrando aqueles com quem iríamos conviver por alguns dias no objetivo de revisar e aprofundar vida matrimonial e ministerial em meio aos desafios e oportunidades do trabalho humanitário por nós desenvolvido. O serviço acontece em alguns dos lugares mais pobres do mundo, como Bangladesh, que o casal de sul-africanos que lá atua descreveu como “o jardim onde Deus nos colocou para servir”. São lugares de muita pobreza, mas também de enorme riqueza humana e cultural, bem como de grande efervescência religiosa, como os testemunhos do grupo foram deixando claro. 
 

Mas havia um casal que eu ainda esperava conhecer e, quando eles entraram no restaurante e fomos ao seu encontro, fiquei encantado. Eram jovens, agradáveis e exuberantes. Tinham consigo os dois filhos menores, dando-nos a conhecer uma família integrada, bonita e alegre. Mais tarde, ao ouvir a história de Abid e Noshaba, me alegrei com o jeito de Deus fazer as coisas. Ambos são paquistaneses, profundamente cristãos e vivem hoje no Camboja, onde ele trabalha na promoção da justiça, batalhando por políticas públicas que visem o fim da escravidão infantil. Uau! Como Deus age de formas tão bonitas e inusitadas em tantos e diferentes lugares! Pois na nossa cabeça e a partir da nossa mídia ocidental, do Paquistão saem muçulmanos radicais para destruir os valores ocidentais. Porém aqui conhecemos um casal paquistanês comprometido com Cristo e servindo fora do seu país em um trabalho humanitário cristão.
 

Ao encerrar esta série de artigos sobre o chamado de Jesus para o discipulado, baseados em Marcos 3.13-19, convido-o a celebrar duas notas. A primeira é que quem chama  é Jesus, e ele chama um grupo diverso de pessoas. Se ontem juntou num mesmo grupo o pescador Pedro, o coletor de impostos Mateus e o zelota Simão, hoje ele inclui neste círculo Abid e Noshaba, você e eu. É Deus quem faz o chamado e forma o grupo dos seus seguidores. Nele estão pessoas de países chamados cristãos, como é o caso do Brasil, onde é natural identificar-se como um seguidor de Jesus. Mas lá estão também pessoas como Abid, que trabalha com políticas públicas visando o extermínio do tráfico infantil e vem de um país conhecido como sendo muçulmano, mas onde Deus também está presente e onde o Espírito também está chamando pessoas para integrarem a sua Seara. Graças a Deus, a obra é dele e os discípulos são de Jesus. É ele quem os chama e é ele quem envia e cuida dos que chama. Isto eu vi, uma vez mais, ao conhecer Abid e Noshaba. 
 

Segundo, queremos lembrar que somos mensageiros de uma só pessoa e que seu nome é Jesus. Somos mensageiros dele porque somos somente dele. Ele nos chama para sermos seus. A ele pertence toda a nossa adoração, fidelidade e obediência. Há um sentido de exclusividade de adoração e suficiência de vida no chamado de Jesus e ambas as dimensões se complementam. Isso significa que a nossa adoração desemboca em qualidade de vida. Como mensageiros seus, somos por ele modelados e convidados para experimentar vida abundante: libertação dos demômios, restauração das nossas doenças e neuroses e crença no evangelho que dá sentido à vida (veja também Lucas 9.1-6). Jesus nos chama a vivenciar e compartilhar com as pessoas o que nós experimentamos e todos mais necessitamos: espaço para sermos humanos e não viver oprimidos por forças desumanizantes; experimentar “shalom”/bem-estar e não sucumbir a processos de enfermidades psíquicas, emocionais e físicas; sentido de pertencimento a Deus e à sua comunidade em vez de solidão e isolamento; vida e esperança para o amanhã sem viver aprisionados pelo medo do futuro.
 

Convivendo alguns dias com Abid e Noshaba, vimos como eles têm experimentado essa vocação em suas vidas. Primeiro no Paquistão, como minoria cristã num país muçulmano. Expressar a adoração a Deus e o seguir a Jesus naquele contexto é sensível, como sabemos, mas também possível. O importante -- nos disseram -- é continuar e consistentemente construir um testemunho de vida que mostre que somos aquilo que dizemos ser e que Jesus é quem tem marcado e transformado a nossa vida. E hoje, vivendo no Camboja, com Abid engajado na elaboração e aplicação de políticas públicas que impeçam o tráfico infantil, eles estão expressando aquilo que Jesus nos chamou a ser e viver: estar a serviço da vida abundante para a qual ele nos chamou e com a qual nos agraciou, dando a si mesmo por todos nós. Obrigado, Abid! Obrigado, Noshaba!

 

• Valdir Steuernagel é teólogo sênior da Visão Mundial Internacional. Pastor luterano, é um dos coordenadores da Aliança Cristã Evangélica Brasileira e um dos diretores da Aliança Evangélica Mundial e do Movimento de Lausanne.