Opinião
22 de julho de 2025- Visualizações: 2894
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Uma família e uma casa
O vasto universo é a casa que Deus criou para habitar, e a humanidade é a família onde ele escolheu se encarnar
Por Tiago Pereira
As injustiçadas genealogias bíblicas são textos realmente intrigantes. Junto com as longas listas de leis e instruções nos livros de Levíticos e Números, talvez representem as partes menos lidas e mais preteridas das Escrituras. Superar a longuíssima genealogia que ocupa nada mais nada menos que oito capítulos no primeiro Livro das Crônicas é uma tarefa realmente cansativa. Apesar disso, todos que têm alguma intimidade com a Bíblia se lembram de pelo menos alguns detalhes marcantes. Uma delas, por exemplo, fala de um homem que não morreu, mas foi arrebatado para estar com Deus (Gn 5.24). Outra faz questão de listar três mulheres improváveis que foram ancestrais do próprio Cristo (Mt 1.1-16). O caso é que as genealogias são parte das Escrituras, e, portanto, como o apóstolo Paulo afirma, foram inspiradas por Deus e são úteis para nós hoje.
Para começarmos a entender as genealogias, precisamos nos lembrar do relato da criação e da ordem de Deus à humanidade para se multiplicar e encher a terra (Gn 1.28). No meio das narrativas da criação em Gênesis, as genealogias nos mostram um Deus comprometido em conduzir esse propósito através da bênção da fertilidade. As pessoas estão, de fato, se multiplicando e enchendo a terra. Mesmo em meio à entrada do pecado no mundo e toda a desordem resultante, as genealogias continuam nos mostrando um Deus preocupado com a ordem e com a continuidade. Em outras palavras, as genealogias nos mostram que os propósitos de Deus para a Criação não foram frustrados.
As genealogias são um testemunho constante da bênção de Deus sobre a humanidade, uma evidência clara de que o propósito de Deus está sendo efetuado, apesar da realidade do pecado e até mesmo do esvaziamento da terra após o dilúvio. Na continuidade da linhagem humana, fica claro que Deus está guiando a formação da humanidade como uma única e grande família.
A bênção da fertilidade em Gênesis 1, no entanto, contempla não apenas a humanidade, mas todas as criaturas que habitam a terra, as águas e os ares. Deus estava criando uma família de humanos que, de alguma forma, deveria se relacionar com todas as demais criaturas existentes. Mas a narrativa da criação nos mostra que Deus também estava criando uma casa para ela. O Criador não deixa os seres humanos – e todos os demais seres vivos – sem um lugar para viverem. A grande família, que pode ser vista também como a grande comunidade da criação, é formada pelos seres vivos e pelos lugares onde suas histórias acontecem. A partir do caos sem forma e vazio, Deus cria espaços ordenados e os povoa. Como lemos no profeta Isaías, “assim diz o Senhor, que criou os céus – ele é Deus; que formou a terra e a fez – ele a estabeleceu; ele não a criou para estar vazia, mas a formou para ser habitada (Is 45.18). Uma casa comum para ser habitada por uma grande família.

O entendimento da terra como uma casa comum não é novo, e está presente na raiz das palavras ecologia, economia e ecumênico, que usam o grego oikos para designar a casa como um lar ou um lugar de habitação. Essa ideia foi tratada com bastante ênfase na Laudato Si, a “encíclica ambiental” publicada pelo Papa Francisco em 2015. Nesse importante documento, somos lembrados de que o planeta Terra é um lar compartilhado pelos seres humanos e todas as demais criaturas, que se relacionam uns com os outros e dividem o mesmo espaço.
O propósito de Deus era que suas criaturas se relacionassem nesse espaço em perfeita cooperação, reciprocidade e mutualidade, mas o pecado humano transformou esses relacionamentos em competição, abuso e exploração indiscriminada. As crises ambientais, nesse sentido, não são nada mais que uma crise de relacionamento, e afetam toda a casa. Mas mais do que isso, elas atingem desproporcionalmente aqueles membros mais vulneráveis e desfavorecidos da família. À luz dos ensinamentos bíblicos e a partir da espiritualidade e da ética cristã, porém, somos chamados a um relacionamento saudável com o meio ambiente e uns com os outros.
A terra não é uma mina de extração onde os recursos são explorados até a exaustão, e também não é uma zona de guerra onde uns matam outros por conflitos; tampouco é uma fábrica, uma loja, um depósito ou um centro de distribuição, muito menos uma prisão. Na perspectiva da criação, a terra é um lugar de partilha, convivência e serviço mútuo. A Bíblia nos ensina que a terra pertence a Deus (Sl 24.1), mas também é confiada a nós (Sl 115.16). Deus criou uma casa e nos deu o privilégio e a honra de cuidar dela. É nela que vive não apenas a nossa família, mas toda a grande comunidade da criação, e é nela que glorificamos a Deus, exercendo o papel do cuidado, do serviço e da mordomia. Também é nela, e por meio dela, que o Criador sustenta e satisfaz todas as criaturas (Salmo 104), e onde todas as criaturas também glorificam ao Criador. Pensar numa casa comum nos ajuda a entender a verdadeira natureza e propósito da criação de Deus. A terra é essa casa onde todas as criaturas deveriam encontrar abrigo, segurança, sustento e paz, refletidos em ecossistemas equilibrados, cidades sustentáveis e belos jardins, onde o caráter e a glória do Criador serão revelados.
No meio de todo o vasto universo, essa é a casa que Deus criou para ele mesmo habitar, e a humanidade é a família onde ele escolheu se encarnar. Assim como as genealogias testemunham o compromisso e a fidelidade de Deus com a continuidade de seus propósitos, podemos olhar para a natureza da mesma forma, enxergando a providência de Deus dia após dia. Deus quer habitar no nosso meio, e a Bíblia é a grande história que nos mostra esse propósito sendo cumprido por meio do Filho, cujo sacrifício de amor reconciliou todo o mundo com o Pai. Não há motivo para o desespero nem espaço para a desesperança. A casa, danificada e maldita pelo pecado humano, foi finalmente restaurada, e repetindo a voz ouvida por João no Apocalipse, proclamamos: “— Agora a morada de Deus está entre os seres humanos! Deus vai morar com eles, e eles serão os povos dele. O próprio Deus estará com eles e será o Deus deles” (Ap 21.3, NTLH).
REVISTA ULTIMATO – ADOLESCÊNCIA – ONLINE E OFFLINE
Muito já se falou da adolescência como uma fase crítica da vida, em que as dificuldades próprias da idade inspiram cuidados especiais – o que é ainda mais importante hoje.
Os adolescentes desta geração são o grupo mais impactado pelo ritmo acelerado das mudanças. A matéria dessa edição oferece subsídio para melhor conhecer e atuar com esse grupo. Nos depoimentos dos 12 adolescentes que participam eles pedem: “Acreditem em nós!”.
É disso que trata a edição 414 de Ultimato. Para assinar, clique aqui.
Saiba mais:
» Verdadeiros Cientistas, Fé Verdadeira, Vários autores
» Jesus e a Terra – A ética ambiental nos evangelhos, James Jones
» Assim na Terra como no Céu – Experiências socioambientais na igreja local, Gínia César Bontempo (org.)
» O Teste da Fé – Os cientistas também creem, Ruth Bancewics, org.
» A ecoansiedade e a ecoesperança
Por Tiago Pereira
As injustiçadas genealogias bíblicas são textos realmente intrigantes. Junto com as longas listas de leis e instruções nos livros de Levíticos e Números, talvez representem as partes menos lidas e mais preteridas das Escrituras. Superar a longuíssima genealogia que ocupa nada mais nada menos que oito capítulos no primeiro Livro das Crônicas é uma tarefa realmente cansativa. Apesar disso, todos que têm alguma intimidade com a Bíblia se lembram de pelo menos alguns detalhes marcantes. Uma delas, por exemplo, fala de um homem que não morreu, mas foi arrebatado para estar com Deus (Gn 5.24). Outra faz questão de listar três mulheres improváveis que foram ancestrais do próprio Cristo (Mt 1.1-16). O caso é que as genealogias são parte das Escrituras, e, portanto, como o apóstolo Paulo afirma, foram inspiradas por Deus e são úteis para nós hoje.Para começarmos a entender as genealogias, precisamos nos lembrar do relato da criação e da ordem de Deus à humanidade para se multiplicar e encher a terra (Gn 1.28). No meio das narrativas da criação em Gênesis, as genealogias nos mostram um Deus comprometido em conduzir esse propósito através da bênção da fertilidade. As pessoas estão, de fato, se multiplicando e enchendo a terra. Mesmo em meio à entrada do pecado no mundo e toda a desordem resultante, as genealogias continuam nos mostrando um Deus preocupado com a ordem e com a continuidade. Em outras palavras, as genealogias nos mostram que os propósitos de Deus para a Criação não foram frustrados.
As genealogias são um testemunho constante da bênção de Deus sobre a humanidade, uma evidência clara de que o propósito de Deus está sendo efetuado, apesar da realidade do pecado e até mesmo do esvaziamento da terra após o dilúvio. Na continuidade da linhagem humana, fica claro que Deus está guiando a formação da humanidade como uma única e grande família.
A bênção da fertilidade em Gênesis 1, no entanto, contempla não apenas a humanidade, mas todas as criaturas que habitam a terra, as águas e os ares. Deus estava criando uma família de humanos que, de alguma forma, deveria se relacionar com todas as demais criaturas existentes. Mas a narrativa da criação nos mostra que Deus também estava criando uma casa para ela. O Criador não deixa os seres humanos – e todos os demais seres vivos – sem um lugar para viverem. A grande família, que pode ser vista também como a grande comunidade da criação, é formada pelos seres vivos e pelos lugares onde suas histórias acontecem. A partir do caos sem forma e vazio, Deus cria espaços ordenados e os povoa. Como lemos no profeta Isaías, “assim diz o Senhor, que criou os céus – ele é Deus; que formou a terra e a fez – ele a estabeleceu; ele não a criou para estar vazia, mas a formou para ser habitada (Is 45.18). Uma casa comum para ser habitada por uma grande família.

O entendimento da terra como uma casa comum não é novo, e está presente na raiz das palavras ecologia, economia e ecumênico, que usam o grego oikos para designar a casa como um lar ou um lugar de habitação. Essa ideia foi tratada com bastante ênfase na Laudato Si, a “encíclica ambiental” publicada pelo Papa Francisco em 2015. Nesse importante documento, somos lembrados de que o planeta Terra é um lar compartilhado pelos seres humanos e todas as demais criaturas, que se relacionam uns com os outros e dividem o mesmo espaço.
O propósito de Deus era que suas criaturas se relacionassem nesse espaço em perfeita cooperação, reciprocidade e mutualidade, mas o pecado humano transformou esses relacionamentos em competição, abuso e exploração indiscriminada. As crises ambientais, nesse sentido, não são nada mais que uma crise de relacionamento, e afetam toda a casa. Mas mais do que isso, elas atingem desproporcionalmente aqueles membros mais vulneráveis e desfavorecidos da família. À luz dos ensinamentos bíblicos e a partir da espiritualidade e da ética cristã, porém, somos chamados a um relacionamento saudável com o meio ambiente e uns com os outros.
A terra não é uma mina de extração onde os recursos são explorados até a exaustão, e também não é uma zona de guerra onde uns matam outros por conflitos; tampouco é uma fábrica, uma loja, um depósito ou um centro de distribuição, muito menos uma prisão. Na perspectiva da criação, a terra é um lugar de partilha, convivência e serviço mútuo. A Bíblia nos ensina que a terra pertence a Deus (Sl 24.1), mas também é confiada a nós (Sl 115.16). Deus criou uma casa e nos deu o privilégio e a honra de cuidar dela. É nela que vive não apenas a nossa família, mas toda a grande comunidade da criação, e é nela que glorificamos a Deus, exercendo o papel do cuidado, do serviço e da mordomia. Também é nela, e por meio dela, que o Criador sustenta e satisfaz todas as criaturas (Salmo 104), e onde todas as criaturas também glorificam ao Criador. Pensar numa casa comum nos ajuda a entender a verdadeira natureza e propósito da criação de Deus. A terra é essa casa onde todas as criaturas deveriam encontrar abrigo, segurança, sustento e paz, refletidos em ecossistemas equilibrados, cidades sustentáveis e belos jardins, onde o caráter e a glória do Criador serão revelados.
No meio de todo o vasto universo, essa é a casa que Deus criou para ele mesmo habitar, e a humanidade é a família onde ele escolheu se encarnar. Assim como as genealogias testemunham o compromisso e a fidelidade de Deus com a continuidade de seus propósitos, podemos olhar para a natureza da mesma forma, enxergando a providência de Deus dia após dia. Deus quer habitar no nosso meio, e a Bíblia é a grande história que nos mostra esse propósito sendo cumprido por meio do Filho, cujo sacrifício de amor reconciliou todo o mundo com o Pai. Não há motivo para o desespero nem espaço para a desesperança. A casa, danificada e maldita pelo pecado humano, foi finalmente restaurada, e repetindo a voz ouvida por João no Apocalipse, proclamamos: “— Agora a morada de Deus está entre os seres humanos! Deus vai morar com eles, e eles serão os povos dele. O próprio Deus estará com eles e será o Deus deles” (Ap 21.3, NTLH).
- Tiago Pereira é biólogo formado pela Universidade Federal de Viçosa, mestre e doutor em Botânica também pela UFV, com pós-doutorado em Biologia Molecular e Filogeografia. Atualmente, faz parte da equipe de trabalho da Associação Brasileira de Cristãos na Ciência (ABC2) como coordenador nacional dos Grupos de Estudo. É membro da igreja presbiteriana, casado com Eliza e pai de Pedro e Maria Clara.
REVISTA ULTIMATO – ADOLESCÊNCIA – ONLINE E OFFLINEMuito já se falou da adolescência como uma fase crítica da vida, em que as dificuldades próprias da idade inspiram cuidados especiais – o que é ainda mais importante hoje.
Os adolescentes desta geração são o grupo mais impactado pelo ritmo acelerado das mudanças. A matéria dessa edição oferece subsídio para melhor conhecer e atuar com esse grupo. Nos depoimentos dos 12 adolescentes que participam eles pedem: “Acreditem em nós!”.
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Saiba mais:
» Verdadeiros Cientistas, Fé Verdadeira, Vários autores
» Jesus e a Terra – A ética ambiental nos evangelhos, James Jones
» Assim na Terra como no Céu – Experiências socioambientais na igreja local, Gínia César Bontempo (org.)
» O Teste da Fé – Os cientistas também creem, Ruth Bancewics, org.
» A ecoansiedade e a ecoesperança
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