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Opinião

Onicoerência: um atributo divino integrador – Parte 1

O fio invisível que costura o amor com a soberania, a justiça com a misericórdia, a transcendência com a imanência

Por Wolodymir (Wolô) Boruszewski

Preâmbulo
Dois instantes do mais perfeito louvor destacam-se ternamente nos caminhos de nosso Senhor Jesus Cristo por esta terra. O primeiro quando um grupo de crianças entoa, espontaneamente, na presença de uns adultos circunspectos e até mesmo refratários, um antigo Salmo com Hosanas ao Filho de Davi. O segundo quando aquele que se fez criança para nos encontrar, na presença de uns discípulos deslumbrados com experiências notáveis, exulta no Espírito e dá graças ao Pai por revelar certas coisas aos seus pequeninos.

Na naturalidade feliz das crianças entoando hosanas, há uma ternura que transcende a lógica dos adultos. Elas não calculam, não ponderam, apenas louvam. E é nesse louvor despretensioso que Cristo encontra a mais perfeita expressão da verdade.

É igualmente notável que, conforme reportado em Isaías 6 e Apocalipse 4, os anjos entoam louvores sem cessar. Essa manifestação, semelhantemente espontânea, dá a entender que tanto a boca dos pequeninos quanto a dos seres celestiais, manifestam coerentemente uma espécie de linguagem universal daqueles que desimpedidamente adoram a Deus.

Hoje é tempo de aprender com eles.

Já quando Jesus Cristo exulta no Espírito e dá graças ao Pai, vemos a Trindade em uníssono júbilo, revelando que a coerência divina não é fria racionalidade, mas alegria compartilhada entre as Pessoas eternas e declarada sonoramente aos que têm ouvidos para ouvir.

Ao dar graças, Ele não apenas derrama aos pés do Pai seus mais profundos sentimentos, mas outorga aos ouvintes atentos verdades especiais: a beleza da simplicidade contemplada em detrimento a uma erudição vazia. A coerência da vida de nosso Senhor Jesus Cristo e o louvor dela oriundo é um notável exemplo da onicoerência divina.

Hoje é tempo de aprender com Ele.

Em ambos os casos, ao exortar contra a soberba e destacar a alegria do nome escrito nos céus, uma postura espiritual é ensinada e o louvor com júbilo enfatizado.

Que possa ser essa a nossa abordagem na reflexão a seguir, alegrando-nos com a sublime graça de um nome escrito nos céus, bem como com a coerente missão de proclamar as virtudes daquele que tanto nos amou. Em nome de Jesus. Amém.

I. Introdução
Onicoerência uma virtude ponte entre os atributos divinos

Desde os primórdios da teologia cristã, os atributos divinos têm sido classificados em duas grandes categorias: comunicáveis, aqueles que Deus compartilha com a criatura humana em alguma medida (como amor, justiça, sabedoria), e incomunicáveis, que pertencem exclusivamente à natureza divina (como eternidade, imutabilidade, onipotência). Essa distinção, conquanto didaticamente relevante no que diz respeito à descrição desses aspectos, abre, por outro lado, um caminho para considerarmos a inter-relação eles.

Neste contexto, propomos o conceito de onicoerência como um atributo integrador, capaz de transitar entre o comunicável e o incomunicável, revelando a harmonia absoluta entre todos os aspectos do ser de Deus. A onicoerência não é apenas a coerência interna de Deus consigo mesmo, mas a manifestação de uma unidade perfeita entre seus atributos, ações e revelações. Ela é o fio invisível que costura o amor com a soberania, a justiça com a misericórdia, a transcendência com a imanência.

Diversos pensadores ao longo da história abordaram, ainda que indiretamente, essa ideia. Agostinho de Hipona, ao tratar da Trindade, enfatizou a unidade substancial entre as pessoas divinas, sugerindo uma coerência ontológica que transcende a lógica humana. Tomás de Aquino, em sua Summa Theologiae, ao falar da simplicidade divina, aponta para uma ausência de contradição interna em Deus — uma antecipação filosófica da onicoerência. João Calvino, por sua vez, ao destacar a soberania e providência divina, sugere que todos os atos de Deus são coerentes com seu caráter eterno e justo. Mesmo Anselmo de Cantuária, ao formular o argumento ontológico, pressupõe uma perfeição absoluta que não admite incoerência.

Embora nenhum deles tenha nomeado explicitamente a onicoerência, suas obras fornecem os alicerces para compreendê-la como um atributo que ilumina e integra os demais, revelando um Deus que é, em essência, perfeitamente coerente em ser, agir e revelar-se.

II. Definindo onicoerência
Onicoerência refere-se à harmonia absoluta entre a essência, a vontade e a ação de Deus. Não se trata apenas de integridade moral ou consistência lógica, mas de uma unidade ontológica mais profunda. Deus nunca está dividido, nem é autocontraditório; incoerente jamais. Seus pensamentos, desejos e ações são um só.

Etimologicamente esse neologismo resulta da combinação de:
• ὄν (ón) – do grego antigo, significando “ser”, “aquilo que é”,
com
• Cohaerentia – do latim cohaerere, “estar unido”, “aderir”, “manter-se junto”. Refere-se à conexão lógica, à harmonia entre as partes, à ausência de contradição. Essa forma deriva do verbo cohaerere, composto por:
• com – prefixo que significa junto, com, em união
• haerere – verbo que significa grudar, aderir, estar preso

Portanto, etimologicamente, coerência carrega a ideia de elementos que estão unidos de forma lógica e firme, como partes que se aderem umas às outras sem contradição.

Essa raiz etimológica é especialmente rica no contexto das virtudes divinas. A ideia de “aderência perfeita” entre partes pode ser interpretada como:
• A unidade sem fissuras entre os atributos divinos
• A harmonia absoluta entre o ser, o agir e o revelar-se de Deus
• A impossibilidade de contradição interna no ser divino

No plano ontológico e espiritual ao propor a onicoerência como atributo, uma espécie de “ligação lógica” procura ser estabelecida, não apenas como uma virtude racional, mas como uma expressão da perfeição divina.

Num sentido filosófico-teológico a junção desses dois conceitos, a saber, ser e coerência, estabelece que o termo onicoerência não lida apenas com o agir divino, mas com um vislumbre da estrutura do seu próprio ser.

III. Fundamentos bíblicos
As Escrituras sugerem essa onicoerência de várias formas. Em Tiago 1:17, Deus é descrito como aquele “em quem não há mudança nem sombra de variação”. Em Êxodo 3:14, Deus declara: “EU SOU O QUE SOU”, uma afirmação de puro ser — imutável, indivisível e auto consistente. Tiago, como cada um de nós, consegue perceber algo da sublimidade do Eterno, mas é o próprio Deus que se define com essa expressão ao mesmo tempo enigmática e peremptória. Nós, juntamente com Tiago e os demais co-peregrinos, ansiamos por entender melhor tal revelação.

Jesus de forma autêntica encarna existencialmente essa coerência. Suas palavras e ações são perfeitamente coesas. Ele diz: “Eu e o Pai somos um” (João 10:30), e “Quem me vê, vê o Pai” (João 14:9). Semelhantemente ao proclamar “Antes que Abraão existisse, Eu Sou” (João 8:58), Ele se inclui na prévia autodefinição que Deus outorgara ao seu povo. Essas não são apenas afirmações de divindade mas de coerência em sua plenitude.

Também o autor de Hebreus assevera que ‘Jesus Cristo é o mesmo ontem, hoje e para sempre’ (Hebreus 13:8), reafirmando a estabilidade ontológica do Filho não apenas temporal, mas efetivamente existencial. Em um mundo de mudanças e relativismos, a onicoerência de Deus destaca-se como um farol cuja luz não tremula nem se apaga. A Palavra, como diz o salmista, é verdade somada: ‘A soma da tua palavra é a verdade’ (Salmos 119:160).

Semelhantemente, textos como Salmo 89:14 (“Justiça e juízo são a base do teu trono”) e Miquéias 6:8 (¨Ele te declarou, ó homem, o que é bom; e que é o que o Senhor pede de ti, senão que pratiques a justiça, ames a benignidade, e andes humildemente com o teu Deus?¨) evidenciam como a coerência entre justiça e misericórdia é um tema recorrente.

Várias parábolas de Jesus, conquanto surpreendentes para a lógica humana, abordam o conceito da onicoerência. A parábola do filho pródigo, por exemplo, ilustra a coerência entre justiça e graça. A ação do pai é coerente com seu amor, mesmo quando parece contradizer certas mesquinhas expectativas.

IV. Implicações filosóficas
A onicoerência desafia as categorias humanas. Muitas vezes destoamos pensamento de ação, crença de comportamento, essência de expressão. Mas em Deus, tal dissonância não ocorre. A simplicidade divina significa que Deus não é composto de partes; a onicoerência significa que Deus não comporta contradições.

Numa outra vertente, ocasionalmente nos ocorrem cogitações acerca de exemplos onde a nossa filosofia enxergaria contradições no agir de Deus. Nesse contexto, é na postura dos pequeninos que poderá haver alguma resposta. Estaríamos nós tentando impor a Deus nossa lógica ou seria melhor, humildemente, acolher sua graciosa misericórdia e tentar vislumbrar alguma fresta por entre as trevas do presente século e então, de joelhos, receber o amparo de sua maravilhosa luz?

A razão humana, por mais requintada que seja, é fragmentária. Tentamos compreender Deus com categorias que separam essência de ação, ser de fazer. Mas Deus não é um conceito a ser dissecado — Ele é o ‘EU SOU’. A simplicidade divina, como ensina Tomás de Aquino, não é ausência de profundidade, mas plenitude indivisível. A onicoerência nos convida a abandonar a pretensão de explicar Deus e, em vez disso, adorá-Lo em reverente silêncio.

Essa tensão entre o humano e o divino é bem ilustrada na filosofia contemporânea. Kierkegaard, por exemplo, ao tratar da angústia como vértice da liberdade, revela o drama da identidade humana: somos seres em busca de unidade, mas marcados pela possibilidade do desespero. A angústia, nesse sentido, é o eco da incoerência que nos habita — uma incoerência que em Deus não encontra lugar. Paul Ricoeur, por sua vez, propõe a ética narrativa como forma de compreender o eu em sua historicidade. Para ele, o sujeito é constituído por histórias que contam quem somos, mas essas narrativas são sempre abertas, vulneráveis à reinterpretação. Em contraste, a narrativa divina é perfeita, sem fissuras, sem revisões. Deus não se conta — Ele é.

Charles Taylor aprofunda essa reflexão ao diagnosticar a fragmentação do eu moderno. Vivemos em um tempo onde o sujeito se dispersa entre múltiplas demandas, identidades e valores concorrentes. A coerência, nesse cenário, torna-se um ideal quase inalcançável. A onicoerência divina, então, não apenas transcende essa condição, mas a interpela: ela nos convida a uma reorientação do desejo, a uma busca por sentido que não se esgota na funcionalidade ou na teatralidade.

É nesse ponto que se impõe uma crítica à lógica meramente instrumental. O pensamento moderno, muitas vezes guiado por critérios de utilidade e eficiência, tende a reduzir o valor àquilo que funciona, àquilo que serve. Mas Deus não é utilitário — Ele é santo. Sua coerência não se mede por resultados, mas por fidelidade. A onicoerência divina desafia o pragmatismo contemporâneo ao afirmar que há valor naquilo que não se explica, há verdade naquilo que não se calcula. Como disse Miquéias: “O que o Senhor pede de ti, senão que pratiques a justiça, ames a misericórdia e andes humildemente com o teu Deus?” — isso não se reduz a mera utilidade, há santidade subjacente.

Assim, a onicoerência não é apenas um atributo teológico; é uma convocação existencial. Ela nos chama a viver não como quem resolve, mas como quem reverencia. Não como quem domina, mas como quem serve. Não como quem calcula, mas como quem ama.

V. Relevância teológica
Por que a onicoerência importa? Porque em dolorido contraste, a incoerência, é uma marca da humanidade caída. Os humanos mentem, enganam, compartimentalizam, manipulam. Dizemos uma coisa e fazemos outra. Acreditamos no amor, mas agimos com medo. A onicoerência nos lembra que Deus não é como nós nesse aspecto. Ele é integralmente santo.

Numa outra vertente a onicoerência pode ser considerada como base de nossa confiança. A coerência de Deus é firme fundamento de fé. Se Ele não fosse coerente não haveria como confiar em Suas promessas. Declarações de Gênesis (¨E eis que estou contigo, e te guardarei por onde quer que fores, e te farei tornar a esta terra; porque te não deixarei, até que haja cumprido aquilo que te tenho falado.¨) a Apocalipse (¨Assim diz o que é fiel e verdadeiro¨) perderiam todo o sentido.

Assim sendo, refletir sobre essa virtude intrínseca de Deus, é não somente um exercício de meditação teórica, mas, sobretudo, um bom princípio para momentos de adoração em Espírito e em verdade. Não seria isto um bom princípio para evoluir para uma maior coerência entre fé professada e vida vivida?

VI. Onicoerência e a Trindade
A doutrina da Trindade parece desafiar a coerência — três pessoas, uma essência. Mas a onicoerência afirma que o Pai, o Filho e o Espírito não são três vontades concorrentes ou identidades fragmentadas. Eles estão perfeitamente unidos em propósito e ser. A tripla presença mencionada no Preâmbulo, onde Jesus Cristo, exultando no Espírito, rende graças ao Pai demonstra na prática essa onicoerência em ação.

A Trindade não deve ser considerada, pois, um enigma a ser resolvido, mas uma honorável coerência a ser contemplada.

A doutrina da pericorese nos ensina que o Pai, o Filho e o Espírito Santo habitam uns nos outros em perfeita comunhão. Não há competição, não há hierarquia funcional, mas unidade relacional. Quando Jesus exulta no Espírito e louva ao Pai, não está apenas demonstrando devoção — está revelando a sublime mesura eterna da Trindade, onde cada Pessoa é plenamente coerente com as demais.

O versículo de 1 Tessalonicenses 5.23, uma joia teológica que expressa o desejo de Deus pela santificação integral do ser humano: “E o mesmo Deus de paz vos santifique em tudo; e todo o vosso espírito, e alma, e corpo sejam plenamente conservados irrepreensíveis para a vinda de nosso Senhor Jesus Cristo.”

Revela uma visão triuna do ser humano — espírito, alma e corpo — e mostra que Deus não deseja apenas uma santidade parcial, mas uma santificação completa, que abrange todas as dimensões da existência.

No contexto da Onicoerência, esse versículo poderia ser interpretado como uma expressão da onicoerência divina aplicada ao ser humano. Deus, sendo perfeitamente coerente em si mesmo, deseja que o ser humano reflita essa coerência — não apenas em ações isoladas, mas em sua totalidade vivencial. A santificação integral é, portanto, um convite à harmonia interior, à unidade entre essência e expressão, à vida irrepreensível como reflexo da plenitude divina.

No contexto do corpo de Cristo hoje, a Igreja, o convite de Jesus Cristo à unidade é um dos temas mais profundos e comoventes de sua missão — e está fervorosamente expresso em João 17, durante a chamada Oração Sacerdotal. Ali, Jesus ora ao Pai: “Que todos sejam um, como tu, ó Pai, estás em mim e eu em ti. Que eles também estejam em nós, para que o mundo creia que tu me enviaste.” (João 17.21)

Essa oração não é apenas uma súplica por harmonia entre os discípulos, mas um chamado à comunhão espiritual, à unidade vivenciada entre os que creem — uma unidade que reflete a própria relação entre o Pai e o Filho.

Poderíamos chamá-la de dimensão eclesiástica da onicoerência.

  • Wolodymir Boruszewski, mais conhecido como Wolô, nasceu em 15 de junho de 1951 em São Paulo, SP. Wolô é de origem ucraniana, poeta e compositor de música cristã desde 1964. Congrega na Comunidade Jesus, São Paulo, SP.
Imagem: gerada por algoritmo de inteligência artificial.


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