Opinião
08 de setembro de 2025- Visualizações: 4054
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“A igreja evangélica brasileira do futuro será menos triunfalista”
Como interpretar a religião no Censo 2022?
Entrevista com Paul Freston
Entre os meandros históricos da igreja evangélica no Brasil, os dados do Censo lançam luz sobre quem somos, como crescemos e, afinal, o que estamos nos tornando.
Que outros fatores?
Mas e os desigrejados?
REVISTA ULTIMATO – JESUS, A LUZ DO MUNDO
Jesus, o clímax da narrativa da redenção, é a luz do mundo. Não há luz que se compare a ele. Sua luz alcança todo o mundo.
Além de anunciar-se como Luz, Jesus declara que os seus seguidores são a luz do mundo. “Pois Deus que disse: ‘Das trevas resplandeça a luz’, ele mesmo brilhou em nosso coração para iluminação do conhecimento da glória de Deus na face de Cristo” (2Co 4.6).
É disso que trata a edição 415 de Ultimato. Para assinar, clique aqui.
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Entrevista com Paul Freston
Entre os meandros históricos da igreja evangélica no Brasil, os dados do Censo lançam luz sobre quem somos, como crescemos e, afinal, o que estamos nos tornando.Em parceria com Diálogos de Esperança, conversamos com o sociólogo Paul Freston sobre esse assunto. No formato de live realizada em 8 de julho de 2025, no canal da Ultimato no YouTube, Freston – com a participação da economista Deborah Bizzaria – nos ajuda a ver o que o Censo relevou.
Entre os diversos assuntos, ele abordou as mudanças comportamentais dos evangélicos nas últimas décadas, os “sem religião”, os “desigrejados”, a provável reação católica ao avanço de outras religiões, a razão pela qual ele acredita que os evangélicos chegaram à estabilidade em seu crescimento e uma perspectiva de como será a igreja evangélica do futuro.
O resultado do censo foi surpresa para você?
A desaceleração do crescimento evangélico e a desaceleração da queda católica eu venho prevendo há mais de quinze anos que aconteceria em algum momento. Nesse sentido, o resultado do Censo não me surpreendeu.
Como comparar a realidade atual com a época em que você chegou no Brasil, vindo da Inglaterra?
Cheguei em 1976 e encontrei uma igreja que já crescia, mas ainda com pouca presença social. Inclusive, lembro-me de pessoas não evangélicas me dizerem: “Os evangélicos participam pouco da vida pública do país, seria bom que participassem mais”. Acho que ninguém fala disso hoje! O meio evangélico, para quem não convivia nele, ou era quase totalmente desconhecido ou dava a impressão de um grupo meio fechado e sectário. De lá para cá, isso mudou radicalmente. Acho que os anos 1990 foram um marco nesse sentido; foi a época de maior crescimento da igreja proporcionalmente. Então, o que aconteceu nos anos 1990 e entrando um pouco nos anos 2000 transformou o cenário. Desde então, estamos vivendo o resultado disso. Não existe mais aquele mistério entre a população geral; a presença evangélica já é bastante conhecida de todos. As pessoas já têm alguma ideia formada a respeito. Está no horizonte das pessoas, de uma forma que não estava nos anos 1970. Para bem ou para mal.
Muito se fala hoje sobre o futuro da religião a partir dos novos dados do IBGE. O que você, como sociólogo, pensa a respeito? Pensando não só nos evangélicos, mas no cenário religioso em geral.
Falando dos números, acho que um erro muito comum é imaginar o futuro como um prolongamento do passado. Daí vêm essas previsões de que “no ano tal, os evangélicos serão 50% da população”. Claro que não é assim que funciona. O futuro nunca é continuação do passado, porque há fatores sociológicos que intervêm; além de ações conscientes das pessoas que tomam conhecimento desses dados. Como falei, venho prevendo desde o final dos anos 2000 que estávamos já perto do fim da fase de crescimento evangélico acelerado. O crescimento acelerado data basicamente dos anos 1950. Mas não vai continuar para sempre, e o resultado do último censo sugere que a diminuição já começou.
Por que eu dizia há mais de quinze anos que provavelmente nunca teríamos uma maioria evangélica no Brasil? Primeiro, porque o catolicismo não vai continuar sendo desgastado para sempre. Toda religião que já foi monopólio em determinado contexto, quando começa a enfrentar concorrência, tem muita dificuldade em se adaptar. E, inevitavelmente, perde gente. Mas essa perda inicial não é a última palavra, porque, ao longo do tempo, as religiões são capazes de entender o que está acontecendo, de se adaptar, até de adotar técnicas da “concorrência”. No caso da igreja católica no Brasil, existe um núcleo sólido que dificilmente será erodido, que avalio em torno de 25% a 30% da população brasileira. E, além disso, existe uma franja de católicos não praticantes ou pouco ligados, mas com a possibilidade de a igreja converter parte dessa franja em parte do núcleo sólido. E assim, imagino que a igreja católica dificilmente caia para menos de 40% da população. Então, essa limitação na queda católica é o primeiro fator.
Que outros fatores?A importância da mobilidade demográfica no crescimento evangélico dos últimos setenta anos. Porque há dois ambientes onde as igrejas evangélicas têm uma presença acima da média e a igreja católica tem muita dificuldade: as periferias das grandes cidades e as fronteiras agrícolas (regiões Norte e Centro-Oeste). A questão é a agilidade evangélica de seguir os movimentos populacionais e de abrir igrejas versus a “lentidão” católica, que se deve, sobretudo, a dois fatores: o clericalismo (a longa formação do sacerdócio) e o territorialismo (a organização em paróquias e dioceses). Esses fatores favorecem várias áreas, mas são desvantagem em momentos de grande mobilidade porque dificultam o acompanhamento.
Há outras mudanças, como o aumento dos “sem religião”. Parecem caminhos bem distintos, mas há uma correlação entre eles?
Esse é justamente outro fator que eu ia mencionar. Observamos que, de cada duas pessoas que deixam de se considerar católicas, apenas “uma e pouca” se torna evangélica. Porque a igreja evangélica não cresce sozinha. Neste Censo, a porcentagem relacionada a umbanda e a categoria “outras religiosidades” cresceu. E também (mas talvez menos do que o esperado) a categoria dos “sem religião”. Isso quer dizer que a igreja evangélica não lucra com toda a queda católica. E é por isso que estimei há anos que dificilmente os evangélicos passariam de 35%. Isso, na melhor das hipóteses; porque também é possível que fiquem abaixo disso, por causa de outros fatores, como, digamos, a autossabotagem evangélica, ou seja, a deterioração da imagem pública. É muito evidente a deterioração nos últimos cinquenta anos por várias razões. E tudo isso começa a interferir, mesmo na capacidade de chegar em 35%.
O que significa “sem religião”?
“Sem religião” não é necessariamente ateu. Inclui estes, mas os ateus mesmo são poucos. “Sem religião” é uma categoria do Censo que é acentuadamente masculina e jovem, na faixa dos vinte e tantos anos. Então, uma interpretação é que corresponde a uma fase de pouca responsabilidade, principalmente para os homens; de muita experimentação; e que depois muitos deles vão voltar à religião em que foram criados ou abraçar outra. Uma segunda possibilidade é que inclui pessoas que praticam mais de uma religião (que é bastante comum no Brasil) e que, em vez de responder que pertencem a uma ou outra, decidem declarar não ter religião. Ou são pessoas que têm uma religiosidade, mas não um pertencimento institucional.
E os “desigrejados”?
Uma coisa que me lembro de ter ouvido muito quando cheguei no Brasil nos anos 1970 é que “não existe evangélico não praticante. Não praticante é coisa de católico, por causa da frieza da igreja católica”. Mas hoje há muitos evangélicos não praticantes. E isso era totalmente previsível para quem conhece um pouco de sociologia da religião. Porque, quando você é “2% evangélico”, tem um custo social para aderir a um grupo e dificilmente você vai ser não praticante. Quando você é “25%”, é muito mais fácil. E, além disso, há cada vez mais pessoas migrando da igreja evangélica para “outras religiosidades”, ou para os “sem religião”, ou até talvez um pouco para a igreja católica. Migração de evangélicos para o catolicismo é mais comum nos Estados Unidos. No Brasil, é muito incipiente, mas é uma tendência a observar.
O que podemos prever sobre o futuro religioso do Brasil?
O que eu prevejo é um catolicismo menor, mas revitalizado, mais praticante e comprometido. E um protestantismo grande, mas numericamente estabilizado e muito fragmentado. E, por último, um setor considerável de religiões não cristãs e dos chamados “sem religião”. Com relação aos evangélicos, especificamente, a estabilização numérica vai mudar tudo. Haverá uma porcentagem maior de membros natos ou de convertidos de longa data e poucos recém-convertidos. E, com isso, vai haver mais demanda de ensinamento sério e por outros tipos de líderes eclesiásticos. Vai ter menos triunfalismo e maiores expectativas no campo da atuação social. E a interação com outras correntes religiosas vai mudar. E, se Deus quiser, vai ter outras maneiras de relacionar-se com a vida pública.
Mas e os desigrejados?“Desigrejado” não é necessariamente algo negativo. Estou relendo o livro El Otro Cristo Español, do missionário escocês John Mackay, escrito em 1932. Apesar de não ter morado no Brasil, ele visitou o país, e morou em vários países latino-americanos. Quem primeiro me falou desse livro foi Samuel Escobar, que faleceu recentemente. Mackay fala de um tipo de “desigrejado” que existia naquela época, que eram pessoas que não encontravam um lar eclesiástico – nem na igreja católica da época nem nas igrejas protestantes –, mas eram pessoas que tinham uma devoção sincera e profunda a Cristo. Então, é outra maneira de entender o que pode estar, em alguns casos, por trás do “desigrejamento”. E, ligado a isso, é interessante observar que as pesquisas mais recentes mostram que o número de pessoas que se declaram evangélicas nos Estados Unidos está caindo abruptamente. Boa parte da razão disso é a exposição pública evangélica e a politização muito intensa e unilateral da extrema-direita por parte dos evangélicos brancos (os evangélicos não brancos são politicamente diferentes). Então, espero que a gente consiga aprender a tempo com a experiência negativa dos Estados Unidos.
E o impacto do crescimento evangélico na vida das pessoas e da sociedade?
Eu queria responder a essa pergunta citando a palavra “transformação”. Uma das grandes virtudes das igrejas evangélicas, reconhecida por estudiosos tanto não cristãos como cristãos, é que, em nível de transformação pessoal, as igrejas fazem muita coisa. E principalmente nos lugares mais desvalidos do país, onde há poucas outras opções. Então, o crescimento das igrejas resultou em muitas vidas transformadas. Por outro lado, a transformação social é mais complexa que a transformação pessoal. Quando você é pequeníssima minoria, ninguém cobra uma contribuição para a transformação da sociedade; mas, quando você já é um quarto da população, existe essa cobrança. Então, a falta dessa contribuição é sentida cada vez mais à medida que a igreja cresce. E uma vantagem do estudo dos autores cristãos dos primeiros séculos é que eles não estão contaminados pelos nossos debates polarizados sobre a política e o papel social da igreja de hoj
e. Então, olhar esses autores cristãos antigos é uma maneira de voltar atrás dos nossos debates, para ver como as primeiras gerações de cristãos foram capazes de pensar fé cristã e sociedade como um todo, como interpretavam o depósito da fé com relação a essas tarefas. E é surpreendente o que descobrimos. Ganhamos um pouco de perspectiva com relação aos debates contemporâneos.
e. Então, olhar esses autores cristãos antigos é uma maneira de voltar atrás dos nossos debates, para ver como as primeiras gerações de cristãos foram capazes de pensar fé cristã e sociedade como um todo, como interpretavam o depósito da fé com relação a essas tarefas. E é surpreendente o que descobrimos. Ganhamos um pouco de perspectiva com relação aos debates contemporâneos.- Paul Freston, inglês naturalizado brasileiro, é professor emérito de religião e política em contexto global na Balsillie School of International Affairs e na Wilfrid Laurier University, em Waterloo, Ontário, Canadá, e professor colaborador do programa de pós-graduação em sociologia na Universidade Federal de São Carlos. É autor de, entre outros, Religião e Política, Sim; Igreja e Estado Não; Cristianismo Antigo para Tempos Novos e Nem Monge, Nem Executivo, todos pela Editora Ultimato.
Artigo publicado originalmente na edição 415 de Ultimato.
REVISTA ULTIMATO – JESUS, A LUZ DO MUNDOJesus, o clímax da narrativa da redenção, é a luz do mundo. Não há luz que se compare a ele. Sua luz alcança todo o mundo.
Além de anunciar-se como Luz, Jesus declara que os seus seguidores são a luz do mundo. “Pois Deus que disse: ‘Das trevas resplandeça a luz’, ele mesmo brilhou em nosso coração para iluminação do conhecimento da glória de Deus na face de Cristo” (2Co 4.6).
É disso que trata a edição 415 de Ultimato. Para assinar, clique aqui.
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