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Opinião

Uma fé pública

Entrevista | Miroslav Volf

O teólogo Miroslav Volf esteve no Brasil a convite da 1ª IPI de São Paulo e do Fórum Equilibrium em junho para falar sobre fé, política e bem comum. O estudo de tais temas resultou no livro Uma Fé Pública (Mundo Cristão), a respeito do qual trata esta entrevista.

Agradecemos ao Rev. Valdinei Aparecido Ferreira pela elaboração das questões e ao Prof. Juris Megnis Junior pela revisão em inglês.

O Estandarte: O senhor poderia falar sobre sua experiência de fé e sua formação acadêmica?
Miroslav Volf: Eu sou filho de pastor, mas no começo eu não queria nada com a fé. Então Deus me alcançou e reivindicou para si quando eu tinha 16 anos. Eu era o único aluno cristão assumidamente professo no Ensino Médio. Tive que responder muitas questões dos meus amigos e professores. Quase imediatamente, a teologia tornou-se minha paixão, cerca de três anos antes de eu tornar-me formalmente um estudante de teologia. Eu estudei filosofia e teologia em Zagreb, na Croácia, fiz mestrado nos Estados Unidos e depois recebi o título de Doutor em Teologia na Universidade de Tübingen, na Alemanha, estudando com Jürgen Moltmann.

OE: Qual a influência de Jürgen Moltmann em seu pensamento teológico?
MV: A teologia de Moltmann destaca tanto a dimensão pessoal quanto a política, e eu o segui a este respeito. Pouco depois de concluir meu doutorado em teologia, perguntei-lhe que conselho daria a um jovem teólogo como eu. Sua resposta foi: “Identifique as questões que mexem com as pessoas e ilumine-as com a luz do evangelho”. Eu tenho tentado seguir esse conselho e, em parte, por essa razão, eu me considero um teólogo da condição humana – considerando e “iluminando com a luz do Evangelho” os amplos aspectos das “dimensões” de nossa humanidade. Eu acredito que o objetivo da Criação, redenção e consumação é o mundo como “a casa de Deus”, o lugar da presença de Deus. Isto pode ser claramente visto na imagem da Nova Jerusalém, no final do livro do Apocalipse, que é retratada como o Santo dos Santos. Mais importante, como o Verbo feito carne, Jesus Cristo, é a casa de Deus, todo o crente é habitado pelo Espírito de Deus. Esta é uma visão que valoriza o aspecto pessoal e, ao mesmo tempo, político do mundo com Deus no centro.

OE: Como a fé cristã pode ajudar a promover uma cultura da paz?
MV: No coração da fé cristã está o amor incondicional (conforme demonstrado na morte de Cristo na cruz pelos ímpios). Portanto, da mesma forma, amar o inimigo é o centro da fé cristã. Esta é a condição fundamental de paz em um mundo repleto de novas inimizades. Embora a ideia seja simples, complicações aparecem. Uma delas é descobrir o que exatamente significa amar o inimigo em situações concretas, e é preciso motivação para o exercício desse amor em circunstâncias críticas. Amar o inimigo é o ponto mais relevante da contribuição da fé cristã para a não-violência e paz. A contribuição mais formal é a insistência na distinção entre religião e governo, um certo tipo de separação entre a igreja e a política (mas não retirando a igreja da política). Isso vai de mãos dadas com a afirmação da liberdade religiosa e da igual dignidade de cada pessoa.


OE: Quanto ao tema da religião e violência, você afirma que a questão crucial não é a quantidade de fé, mas a sua qualidade. Como isso funciona?
MV: Muitos críticos da religião pensam – e muitos teólogos também – que quanto mais intensamente as pessoas crerem, mais violentas elas serão. Mas os críticos da religião pensam assim porque eles acreditam que a fé em si é intolerante, violenta. Eu discordo. Se tivermos em mente o que eu disse em resposta à questão anterior, que a fé cristã é uma religião do amor incondicional, então está claro que, quanto mais intensamente você abraçar a fé, mais amoroso se tornará. Da mesma forma, há pessoas que pensam que, se você é um exclusivista religioso – se, como um cristão, você acredita que Jesus Cristo é o único caminho para Deus –, rejeitará as soluções políticas pluralistas. Mas isso parece-me claramente falso. Foram os exclusivistas religiosos – batistas ingleses, fugindo da perseguição em Amsterdam – que de fato inventaram os arranjos políticos pluralistas; eles eram pluralistas políticos como exclusivistas religiosos, com convicções que consideravam inabalavelmente verdadeiras.

OE: A fé deve estruturar e definir a experiência humana de satisfação. Como isso ocorre?
MV: A fé cristã é exclusivamente a religião da alegria. É o que Moltmann escreveu recentemente, e eu acredito que ele estava certo. Ao ler o evangelho de Lucas, se você prestar atenção ao tema da alegria, não poderá escapar desta conclusão: a alegria está no início, no meio e no fim do evangelho. Isso porque a peculiaridade marcante da fé cristã não é o mandamento para adquirir algo ou sabedoria para viver, mas as boas novas sobre o que Deus fez e está fazendo pela humanidade. Alegramo-nos pelo bem que vem até nós como um presente. De acordo com o relato cristão da salvação, isso acontece porque Deus nos garante que somos amados apesar de nossas insuficiências e nossos pecados e promete redimir-nos de nossos vários cativeiros. Mas o mesmo é verdadeiro quando se trata da criação: nós mesmos e toda a criação somos dom de Deus. A verdade, no mundo de hoje, é que há aspectos corrompidos deste dom; no mundo há o poder do pecado, mas o pecado não anula a bondade da criação. Assim, regozijamo-nos – se temos olhos para ver a bondade e capacidade para usufruir dela.

OE: As igrejas ocidentais têm um passado do qual gostam de se orgulhar, mas um futuro que parecem temer. Poderia comentar esta afirmação?
MV: Alguns cristãos pensam que nosso passado foi glorioso, mas que nosso futuro é incerto. Para eles, o passado glorioso foi o tempo em que o cristianismo era a religião dominante no Ocidente. Como essa foi uma situação duradoura, o futuro parece-lhes sombrio. Sem querer de modo algum diminuir as grandes realizações dos cristãos no passado, eu não vejo somente a glória nas antigas civilizações cristãs. Eu penso, por exemplo, que o amplo apoio cristão ao projeto imperialista foi, em termos cristãos e humanos, desastroso! Acho que devemos mudar a maneira como pensamos sobre o domínio do bem. A fé cristã nasceu como uma fé marginal porque seu fundador, embora Deus em carne, escolheu redimir o mundo como um “judeu marginal”! Como seguidores de Cristo, fazemos melhor quando trabalhamos à margem, quando abraçamos a fraqueza e deixamos que Deus seja forte por meio de nós (para usar a frase do apóstolo Paulo). Fraqueza aqui não é ausência de força, mas uma expressão de amor. A fraqueza do Crucificado, acreditava o apóstolo Paulo, é mais forte que o poder dos governantes deste mundo.


OE: Como as comunidades cristãs do século 21 podem ter, ao mesmo tempo, uma esperança mais modesta e mais robusta quanto a seu futuro?
MV: Esperança não é resultado de suposições sobre o futuro com base na situação do presente ou do passado. Para os cristãos, a esperança não funciona dessa maneira, porque a relação entre o presente e o futuro é geralmente diferente. Não é como se o presente gestasse e desse à luz o futuro. Esperança, então, baseia-se em expectativas razoáveis sobre o que acontecerá. É claro que tais expectativas razoáveis são importantes em muitos domínios da vida, e fazemos bem em procurar prever o futuro com base no passado e no presente. Apenas para dar um exemplo, de que outra forma faríamos a previsão do tempo? Mas, para os cristãos, a esperança está vinculada à vinda de Deus, que pode fazer e às vezes faz coisas inesperadas. As principais figuras de esperança na Bíblia hebraica são Abraão e Sara. Biologicamente, eles não poderiam ter filhos, porém Deus prometeu que eles teriam. Abraão crê na promessa de Deus, e eles têm um filho, um filho da promessa. A figura da esperança no Novo Testamento é Jesus Cristo: ele morreu na cruz e, mesmo na escuridão do túmulo, a esperança não se perdeu, que é o que a história da ressurreição ressalta.

OE: Qual o melhor caminho para enfrentar o clima de guerra cultural dos nossos dias?
MV: Lutar em guerras culturais é fútil e contraproducente. Nós somos sugados para dentro delas e logo chegamos a ser cristãos de uma só questão, em vez de cristãos do Reino de Deus, e nos transformamos em guerreiros sagrados, em vez de sermos os seguidores do Messias crucificado. Meu conselho em tempos de guerras culturais: vamos viver de acordo com o Evangelho e nunca esquecer de falar a verdade em amor.

OE: O senhor fala que a identidade cristã não é reativa, mas positiva. Explique-nos, por favor.
MV: Quando entramos em luta com nossos inimigos, muitas vezes nos conformamos à sua imagem. Nossos inimigos e nós temos objetivos opostos, e a maneira como agimos para alcançá-los não pode ser idêntica. Nossos métodos fazem parte de nossa identidade como cristãos tanto quanto nossos objetivos; os meios que empregamos devem ser cristãos. Essa é uma das principais lições da vida de Jesus Cristo. Se os métodos que Cristo usou para atingir seus objetivos não devessem ser incorporados por nós, ele teria liderado um exército e, se tivesse procurado atingir suas metas dessa maneira, ele teria morrido em batalha. Mas Jesus recusou um exército – ele explicitamente não queria legiões, nem mesmo legiões angelicais. No entanto, salvou o mundo morrendo na cruz. Os meios eram, de fato, uma parte essencial do objetivo. Quando somos reativos, a situação define os termos do nosso engajamento; quando somos positivos, então, com base nos ensinamentos de Cristo e em seu método, nós determinamos os termos do nosso engajamento.

OE: Como amor, identidade e fronteiras combinam-se na construção do testemunho público da fé cristã?
MV: Somos chamados para ser algo, para ter uma identidade – ser o templo do mesmo Espírito que veio sobre Jesus no início de seu ministério e permaneceu sobre ele até o fim. Somos, portanto, chamados a manter as fronteiras desse “ser”, a fim de preservar essa identidade, a identidade do Espírito gerado à semelhança de Cristo, em qualquer situação. Embora a identidade, nesse sentido, exija limites e a manutenção de fronteiras, ela evidentemente não exige fronteiras protegidas por fossos e muros altos e espessos. A identidade cristã requer, acima de tudo, uma presença viva do Espírito de Cristo, capaz de discernir o que é “melhor” ou o que é “bom, agradável e perfeito” (Fp 1.10; Rm 12.2) e agir com coragem.

Nota: Entrevista originalmente publicada no jornal O Estandarte, nº 9, 2018. Reproduzida com permissão.


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