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Opinião

O Menino que nasceu para vencer a morte

“... O anjo, disse-lhe: Descerá sobre ti o Espírito Santo, e a virtude do Altíssimo te cobrirá com a sua sombra; por isso também o Santo, que de ti há de nascer, será chamado Filho de Deus” (Lucas 1.35).

“Porque atentou na insignificância de sua serva;/Pois eis que desde agora todas as gerações me chamarão bem-aventurada,/Porque me fez grandes coisas o Poderoso;/ E santo é seu nome./E a sua misericórdia é de geração em geração /Sobre os que o temem. /Com o seu braço agiu valorosamente;/ Dissipou os soberbos no pensamento de seus corações. /Depôs dos tronos os poderosos, E elevou os humildes./Encheu de bens os famintos, /E despediu vazios os ricos./Auxiliou a Israel seu servo,/ Recordando-se da sua misericórdia; /Como falou a nossos pais, Para com Abraão e a sua posteridade, para sempre”.1

Por isso, a festa da Natalidade do Senhor deveria invadir o cotidiano da Igreja, dos homens e das mulheres: O Menino que nasce traz a palavra final de Salvação! Podemos falar da vida que vence a morte. E que a justiça de Deus prevalecerá, será extirpada a injustiça e a violência sobre a face terra. Um novo nascimento para a vida é aguardado, Deus não desistiu, e continua atuando contra o cinismo, aliado da morte de tantos. É assim que Christoph Blumhardt (citando J.Moltmann) fala do renascimento da esperança, mais que nunca, válida na Natalidade do Senhor: "somos gente que protesta contra a morte", no Natal e em todos os tempos.

Os antigos falavam dos bens da vida, de outra totalidade, na igualdade de direitos para homens e mulheres, no gozo de bem-aventuranças, na via contrária onde a violência transita, na contramão da história da humanidade. Quando um projeto adversário do próprio homem, contra Deus, já se fazia conhecer. O gesto primordial que caracterizou o ser inteligente, solidário, cooperativo, era substituído pela ambição do "homo demens", oposto à linguagem libertária, corruptora da socialidade, da defesa dos interesses coletivos, enquanto convidava à violência, à dominação e à ganância. Harvey Cox nos lembra, então: “... que a serpente não decida por nós”.

Em Jesus se resgatam as utopias, os grandes valores da vida dos povos, das terras, do universo inteiro, que gemem sob a dor da opressão (Lc 4.16ss). Aos cegos, enfermos, cativos, aprisionados e escravos das ideologias totalitárias, de privilégios, estampam-se os valores da solidariedade, da cooperação, da partilha igualitária, da misericórdia, da compaixão e do cuidado. Herança dos pais abraâmicos e proféticos, segundo as Escrituras, muito depois do grande salto pré-histórico da animalidade comum para a humanização no ambiente onde o homem construiu sua casa (Gn 1 e 2). Essa casa seria acolhedora, abrigo para os que têm fome, os humilhados quando reclamam dignidade, os oprimidos que fogem da exploração ou do bloqueio, impedidos de acesso ao desenvolvimento.

Nasceu o amigo de todos os humanos e do mundo (Jo 3.16), porque Deus se oferece como um nascituro redentor, a todas as criaturas, de maneira real, para que todos creiam que há salvação. Em Jesus se resgatam as utopias, os grandes valores da vida dos povos, das terras, do universo inteiro que geme sob a dor da opressão.

Assim, um homem ou uma mulher, diante da gloriosa criação, abre espaço e lugar à contemplação transcendente a respeito das responsabilidades éticas suscitadas desde os antigos. Contudo, o ser humano dificilmente se reconhece como senhor e como vassalo ao mesmo tempo, malgrado possa contemplar a grandiosidade da missão que lhe cabe.

O sonho da inclusão no projeto de Deus é propriedade de toda a família humana. Está no Menino que nasce para alimentar as utopias de integração das etnias, culturas, caminhos espirituais, na grande cadeia de relações que envolvem a vida sobre a terra. Jesus oferece o diálogo com o ser Profundo, que quer juntar-nos à Fonte da Vida (Lucas 1.48-55). Força e energia capazes de unir todos os que querem o bem uns dos outros, em todos os níveis, na sociedade, na economia, na cooperação, em total solidariedade, que culminará nas bem-aventuranças estendidas, por amor, a todos e ao mundo inteiro.

O Reino anunciado, no poema de Maria, a mulher gestante, na pessoa do nascituro Jesus, superando e projetando-se além das barreiras do tempo, não despreza a sustentabilidade, a tecnologia que dá empregos, no trabalho que construa novas relações; que constrói habitações e amplia a produção de alimentos. O Reino oferece espaço para a produção de bens essenciais, assim como os meios para sua eficiência, no transporte, na saúde e medicina igualitária, educação para o desenvolvimento. No Reino se cultiva a solidariedade irrestrita, a defesa do idoso, da mulher e da criança. Nele temos a antítese da impiedade, da violência, da ganância e disputas por supremacia.

O símbolo deste poema é a “luz” (... para iluminar aos que estão assentados em trevas e na sombra da morte, sob riscos permanentes; a fim de dirigir os nossos pés pelo caminho da paz [Lucas 1.79]). A luz traz vida; a luz traz a salvação, por isso a noite que antecede sua chegada é tão formosa. É dentro dela que se ouve o imperativo: “haja luz e solidariedade”! Por outro lado, a luz é o grande sinal de libertação que o profeta propõe ao povo, em nome de Deus. Deus se entrega aos que ama enquanto sua Luz se derrama sobre a escuridão da opressão. Somos iluminados, podemos vislumbrar a dignidade ferida dos pobres, das “viúvas” e “órfãos” deste mundo, por causa do dom da Graça e da Misericórdia de Deus.

"No mundo dos pobres a solidariedade - a força da acolhida entre homens e mulheres, atinge a todas as pessoas feridas - prejudicadas física, emocional e psicologicamente, por múltiplas experiências de precariedade, carência, solidão, fracasso, frustração, entre outras situações de desesperança" (Elizabeth Salazar). A experiência da Graça é uma experiência de descanso, de repouso em Deus: a Graça é o Deus Salvador conosco, agindo para tornar humana a vida de todos os homens e mulheres2.


Notas:
1. Poema de Maria, a Mãe do Senhor: Lucas 1.48-55.
2. Citando Paul Lehmann.

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É pastor emérito da Igreja Presbiteriana Unida do Brasil e autor de livros como “Pedagogia da Ganância" (2013) e "O Dragão que Habita em Nós” (2010).
  • Textos publicados: 94 [ver]

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