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Opinião

Relevância não é uma virtude; fidelidade, sim

Especialista e pioneiro em trabalhos sobre vigilância, David Lyon é coordenador do Centro de Estudos de Vigilância, da Queen’s University, no Canadá. Pesquisador premiado e conhecido internacionalmente por sua “contribuição para o conhecimento e a compreensão sobre as pessoas, a sociedades e o mundo”, Lyon é também reconhecido por explorar o impacto das novas tecnologias sobre as mudanças sociais. Para ele, assim como Deus tem um compromisso com o desenvolvimento humano, os cristãos também devem se importar com a justiça e com o cuidado dos outros pelo bem comum: “Denunciar é um trabalho perigoso, mas importante quando governos ou corporações são infiéis ao seu chamado”. David Lyon é também autor de vários livros, entre eles O Cristão e a Sociologia (ABU Editora), Vigilância Líquida (Zahar), Jesus in Disneyland – Religion in postmodern times [Jesus na Disneylândia – Religião em tempos pós-modernos] e, o mais recente, Surveillance after Snowden [Vigilância após Snowden].

Durante séculos, Deus, a igreja e, especialmente, os evangélicos são acusados de reprimir e vigiar os crentes. Hoje, as pessoas se juntam para colocar câmeras nas ruas e nos condomínios; as empresas e também o estado fazem isso e sabem tudo sobre os nossos hábitos e interesses. Quem mudou: os cristãos ou a sociedade?

Tenho certeza que alguns cristãos bem-intencionados têm realmente exagerado sua função de “vigilância” de formas não saudáveis. Isso é algo que os cristãos hoje devem lamentar e do qual devem se arrepender. Porém, o sistema de vigilância atual vai muito além do que a igreja poderia fazer (ao menos desde a Inquisição espanhola)!

Quais princípios cristãos o senhor acredita que estão em jogo quando o assunto é segurança e vigilância?

Deus está interessado na paz e prosperidade de todas as pessoas. Jeremias 29 nos lembra veementemente do compromisso de Deus com o desenvolvimento humano como um alvo e propósito geral com o qual aqueles que se comprometem com Deus devem também comprometer-se como um projeto permanente. Isso inclui importar-se com a segurança e o cuidado dos outros pelo bem comum. No entanto, o interesse em segurança e vigilância é limitado também por outros critérios: ser imparcial e justo ao buscar esses alvos e ser responsável e confiável perante aqueles que estão sendo vigiados.

“Pós-verdade” foi eleita pelo dicionário Oxford como a palavra do ano em 2016. O senhor diria que a mentira se tornou mais interessante do que a verdade? Ainda é possível comunicar o evangelho afirmando que “a verdade os libertará”?

Uma pergunta difícil! Frequentemente, o que se quer dizer com “verdade” nesse contexto é “demonstração pós-empírica” ou “política baseada em pós-evidência”. A verdadeira questão da verdade é deixada de lado por uma questão de menor importância. Mas, se cremos que a verdade é importante, então isso também afeta nosso ponto de vista sobre precisão empírica – isto é, o que podemos dizer a partir dos nossos sentidos. Porém, quando Jesus diz: “A verdade os libertará”, ele está referindo-se a ele mesmo e dizendo que a verdade é, em última instância, pessoal, não no sentido existencial de que é verdadeira para mim ou para você, mas sim no sentido de que é fundamentada numa pessoa, não numa abstração, ou seja, no próprio Cristo.

Não é difícil perceber como a troca de informações e os relacionamentos nas mídias sociais acontecem apenas para reforçar opiniões anteriores. Ou seja, criamos “bolhas” de opinião, grupos fechados que não escutam nem falam com outras “bolhas” que pensam de modo diferente. Como lidar com esse quadro se acreditamos que nós temos a “boa notícia”?

Não é apenas uma questão de “acreditar que temos as boas novas”. Dizer que as bolhas das mídias sociais apenas reforçam uma opinião existente é exagero. As mídias sociais atuam em vários níveis e – sim! – um grande perigo são bolhas que se autorreforçam. No entanto, essa não é a história toda. As mídias sociais (assim como qualquer outra coisa) podem ser usadas de maneira redentora para demonstrar como as boas novas fazem diferença na vida como um todo.

Em 2017 celebramos os 500 anos da Reforma Protestante. E não é raro ouvir que a igreja precisa escolher adaptar-se às novas tendências ou resistir às inovações. Ao manter a tradição, os fundamentos bíblicos, a igreja corre o risco de tornar-se irrelevante?

De novo, essa é uma pergunta muito difícil, mas Jesus não manteve a tradição por si só. Manteve apenas as tradições que mereciam ser seguidas – como a refeição da Páscoa. Boa parte de seus ensinamentos começa com: “Vocês ouviram o que foi dito” e continua com: “Mas eu lhes digo”. Jesus era radical; dirigia-se corajosamente à raiz da questão. Relevância não é uma virtude; fidelidade, sim. Por outro lado, não reconhecer os “sinais dos tempos” e o “momento de Deus” (como disse Jesus) é miopia ou cegueira. Precisamos falar no contexto do momento atual. E, se após 500 anos não conseguimos reconhecer que protestantes têm com seus irmãos e irmãs católicos mais pontos em comum do que pontos de discórdia, então me parece que estamos falhando num nível básico. Uma vez que forças de ganância, consumismo, indiferença ao pobre e ao sofrimento são tão proeminentes no mundo atual, precisamos fazer alianças estratégicas com muitas outras pessoas que pensam como nós para mostrar um caminho diferente.

A transparência é um dos valores da Reforma Protestante. Numa época de marcado narcisismo e variadas possibilidades de exposição, como os cristãos podem ser ao mesmo tempo transparentes e modestos (humildes)?

Temos que ser fiéis seguidores de nosso Senhor, Jesus. Ele pede que tomemos seu jugo e aprendamos dele. O narcisismo é incompatível com isso. Quanto à transparência, trata-se de uma questão muito complexa. Claro, os cristãos devem viver uma vida transparente, para Deus e para os outros. Porém, mesmo isso se deve considerar, em cada ocasião, se é ou não sábio – “prudentes como as serpentes, simples como as pombas”.

Para países como o Brasil, as questões de segurança não giram em torno do terrorismo nem da vigilância do governo sobre os cidadãos, mas sobre a segurança diária da população. Das vinte cidades mais violentas do mundo, dezenove são latino-americanas. Quais as implicações nessa área nos estudos que o senhor realiza?

A implicação de viver em contextos violentos é que precisamos ler as Escrituras para entender o que elas ensinam sobre violência. Por exemplo, a violência que aparece nas ruas frequentemente começa no lar. Violência doméstica é uma tragédia que pode ser evitada e uma maldição, e mesmo alguns lares “cristãos” são marcados pela violência. Jesus condenou a violência e ensinou o caminho da paz – é o que precisamos explorar e o que tem implicações para nossas vidas. Comecemos pela própria igreja, para que as comunidades cristãs possam aprender o que significa seguir a Jesus ativamente – ser uma cidade edificada sobre um monte...

Atualmente o Brasil desenvolve uma legislação sobre o uso da internet para práticas criminais, especialmente a pedofilia. Quais os riscos e os benefícios de maior vigilância [da vida] virtual para a prevenção e apuração de tais crimes? Quais conselhos o senhor daria aos legisladores?

Essa é uma questão complexa, porém acredito que é necessário reconhecer o papel da regulamentação legal da internet. Ela deve ser feita com cuidado, mas é vital. Há toda uma pressão para que grandes empresas de internet criem as regras, mas isso não tem legitimidade duradoura. A regulamentação cuidadosa, bem pensada, é necessária em várias áreas.

Aqueles que divulgam informações confidenciais dos governos, como o WikiLeaks, estão fazendo um bem ou um mal ao cidadão comum?

Precisamos ter cuidado para não generalizar aqui. Algumas coisas que o WikiLeaks fez tiveram efeitos positivos, mas precisamos questionar a motivação. Edward Snowden, por outro lado, acreditava que, quando copiou documentos da Agência Nacional de Segurança dos Estados Unidos (NSA), ele estava demonstrando que a NSA não estava agindo legalmente, nem ao menos obedecendo às suas normas internas. Acreditava que tinha o dever de divulgar essa verdade para o mundo (meu livro Surveillance after Snowden discute isso). Denunciar é um trabalho perigoso, mas importante quando governos ou corporações são infiéis ao seu chamado.

Traduzido por Mariane Lin.

Entrevista publicada originalmente na revista Ultimato, edição 365 (mai/jun, 2017).
Equipe Editorial Web
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