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Opinião

A “Missão Integral” nem é tão integral assim!

Nestes últimos dias, em nosso mundo evangélico, estabeleceu-se uma conversa em torno da Missão Integral (MI). Essa conversa, nem sempre muito fácil, é importante na medida em que nos leve mais para perto de uma obediência evangélica saudável. Ao prestar atenção a ela, minha memória se aguçou e trouxe de volta momentos e movimentos da minha própria história.

A primeira vez que eu embarquei num ônibus, em Porto Alegre, rumo à Argentina, foi em 1972. Lá, recluso numa pequena cidade chamada Villa Maria, eu passei um mês aos pés de pessoas como René Padilla e Samuel Escobar. Aquele mês tornou-se inesquecível para mim por ter sido altamente formador na minha vida. Depois de Villa Maria foram muitas as vezes em que pude participar de discussões teológicas e vivências comunitárias que ajudaram a forjar a minha caminhada no seguimento a Jesus. Quem sabe, a questão mais importante que eu poderia dizer é que René, Samuel e seus companheiros eram simples, acessíveis e tinham um coração pastoral; e, ao mesmo tempo, eram estudiosos e me impressionavam com o seu conhecimento, a bibliografia que manejavam e sua grande cultura teológica. Eram homens de família e se preocupavam em mentorear jovens como eu, com as minhas perguntas e os meus devaneios. Eles queriam simplesmente ser seguidores de Jesus e neste afã percorriam o continente latino-americano em seguidos encontros de evangelização e formação de discípulos.

Embora este não seja o espaço onde convém entrar em detalhes dessas minhas andanças, eu queria, à guisa de contribuição para esta nossa conversa, pontuar quatro coisas.

O termo “Missão Integral” não pode ser, nem absolutizado, nem ideologizado!
Se é certo que o termo MI tem um forte cunho latino-americano, histórias como a de INFEMIT (International Fellowship of Mission Theologians) evidenciam que havia em outros continentes uma preocupação e uma agenda similar e que se buscavam oportunidades e fóruns de encontro onde se pudesse compartilhar e construir uma agenda que refletisse a grande amplitude da missão da igreja. Não há cercas geográficas em torno à compreensão da MI.

Também se pode afirmar que a voz latino-americana foi chave para que uma compreensão de missão que fosse integral viesse a marcar presença no Pacto de Lausanne. Mas o compromisso com esta compreensão de missão não foi uma descoberta que se deu neste continente, pois outras expressões similares povoam as diferentes histórias missionárias. E, em tempos recentes, a MI ganhou muito mais presença no próprio Movimento de Lausanne, ao ponto de ser abraçada como “integral mission” pelo Compromisso da Cidade do Cabo, de cuja redação eu mesmo tive a oportunidade de participar. Outros esforços globais como o “Micah Challenge” (Desafio Miquéias) e a “Micah Network” (Rede Miquéias) expressam muito bem que há uma caminhada global na vertente desta compreensão e missão.

Esse desenvolvimento, no entanto, não pode nos levar a absolutizar uma determinada forma de falar da missão. MI é só um jeito de falar. É um jeito de querer gestar uma obediência ao evangelho que seja o mais consistente e ampla possível. A MI, de fato, nem é tão integral assim. Aliás, nada do que fazemos é “tão integral assim” e todos só sabemos e só falamos em parte, como o próprio apóstolo Paulo nos ensina. E tem mais: creio que a MI deve ser avaliada criticamente, e cada nova geração e cada novo contexto deve fazê-lo. Ainda que “formado na escola da MI”, eu tenho procurado avaliá-la criticamente e percebido áreas nas quais ela precisa refletir. Entre estas, eu ressaltaria: a busca por expressões de uma espiritualidade que leve mais em conta o coração e não só a mente; que se busque um jeito de fazer teologia que seja menos cerebral e mais poético; que a predominância do homem branco seja completada por outras raças e etnias e pelo importante feminino; que deixe de ser um fenômeno fortemente de classe média, como o são muitas de nossas igrejas históricas, e encontre o caminho da popularização e da carismatização; que a ênfase socioeconômica e até política da realidade seja ampliada, por exemplo, por um discernimento cultural e sócio cultural da realidade na qual vivemos – para citar umas poucas áreas a serem trabalhadas. Mas confesso que, em oração, sempre volto a balbuciar o anseio de que a minha compreensão e vivência da missão seja o mais integral possível... para a glória de Deus.

O encontro com a Palavra foi fascinante!
Os meus primeiros encontros com a MI se deram enquanto estudava teologia numa instituição de corte liberal. Oriundo de um contexto pietista, confesso que estava bastante perdido no universo daquela formação e o encontro com essa outra escola me deslumbrou. O que eu via nos encontros onde a MI estava sendo gestada era uma profunda submissão à Palavra de Deus, associada à descoberta de que esta era profundamente relevante para os nossos conturbados dias e podia ser estudada com sérios critérios históricos, geográficos e semânticos. Neste universo eu encontrava uma hermenêutica que entendia a autoridade da Palavra, estudava-a com seriedade e a aplicava ao contexto em que vivíamos.

Até hoje sou fascinado pela Palavra de Deus, e foi nos caminhos da MI que este encanto foi se aprofundando. Aliás, a ênfase na Palavra de Deus foi pioneira nesta caminhada. A Fraternidade Teológica Latino-Americana, que foi o lugar maior onde a teologia da MI foi gestada, começou a surgir no primeiro Congresso Latino-Americano de Evangelização (CLADE I), realizado em Bogotá, Colômbia, em 1969. E o seu primeiro encontro formal, pós CLADE I, tematizou a Palavra de Deus, deixando evidente o lugar central desta em qualquer teologia e em qualquer caminhada cristã. Assim, a MI nasceu no berço das Escrituras.

A descoberta da centralidade do reino de Deus
Procurando sobreviver em meio aos meandros de uma teologia liberal, que era muito boa na desconstrução de sistemas e credos, foi a descoberta do “reino de Deus” como a chave hermenêutica para a construção da minha fé e vivência da missão que me ensinou a nadar rumo à sobrevivência na fé no Deus trino. O evangelho se abriu e ganhou cores que eu não imaginava. O evangelho falava de mim e do outro, especialmente do pequeno e do pobre. O evangelho falava do corpo, da alma e do espírito. Ele falava da pessoa e dos sistemas e estruturas onde elas vivem. Falava do passado e do presente e apontava para o futuro de Deus. O evangelho mostrava um Jesus que anunciava e vivia o reino de Deus, e me convidava a segui-lo nas sendas da esperança desse reino.

Logo depois da Consulta sobre a Palavra de Deus, na qual a FTL foi formalmente criada, procurou-se mergulhar na ênfase no reino de Deus, como demonstrado e apontado pelos evangelhos. Este reino de Deus é que dava os contornos para a gestação de uma missiologia que fosse fiel aos evangelhos, que se soubesse a serviço do Deus trino e fosse em busca do outro, quem quer que ele fosse e onde quer que estivesse. Por isso é que CLADE III trouxe o slogan de Lausanne para as nossas paragens latinas: “Todo o Evangelho, para todos os povos, desde a América Latina”.

Descobrindo a realidade ao nosso redor
Vindo de um transfundo pietista, que tende a olhar mais para a realidade espiritual do que para a realidade social do outro, e vivendo num contexto de ditadura militar, onde a preocupação sociopolítica tendia a ser cunhada de subversiva, foi significativo para mim descobrir a dimensão mais ampla do evangelho, tanto na dimensão cultural como social e econômica da realidade. Eu costumo dizer que foi o evangelho que me abriu os olhos para a realidade e especialmente para o pobre, o excluído e o vulnerável.

Às vezes surge a pergunta (e muitas vezes, a afirmação) sobre a influência do marxismo na teologia da MI. Aqui, parece-me que precisamos discernir dois diferentes momentos. Num primeiro momento, a questão central era perceber e discernir a realidade que a iniciativa missionária norte-americana estava, em sua maioria, trazendo para o nosso continente.

É importante registrar que essa iniciativa missionária estava focando fortemente a América Latina devido, especialmente, ao fechamento da China para o envio de missionários estrangeiros, bem como o número cada vez maior de missionários provenientes de crescentes igrejas evangélicas, várias delas de corte fundamentalista nos Estados Unidos. Esta vertente evangélica, naquele país, havia reagido fortemente ao liberalismo teológico vindo da Europa e se posicionado radicalmente contra o chamado “evangelho social”. Logo, ao desenvolverem os seus ministérios em nosso continente, a ênfase numa evangelização e discipulado voltados para o indivíduo e para as coisas espirituais era muito forte, quando não exclusiva. Acresça-se a isso a postura que os EUA haviam tomado em relação à grande maioria de ditaduras no continente, fato que contaminava a obra missionária. É diante desta ênfase que vozes latinas se levantam e chamam atenção para um evangelho que se preocupa com todas as dimensões da vida humana, para a necessidade de se levar em conta a realidade do nosso continente, fortemente marcado pela pobreza, opressão e injustiça social. Assim, na nascente da MI está o clamor para que se perceba a realidade e a engajar-se nela e também a descoberta de que o evangelho não está alheio a essa realidade e a proclamação do reino de Deus visa a sua transformação.

Num segundo momento, essa mesma caminhada evangélica em torno do conceito da MI percebeu que emergia fortemente no continente aquilo que se chamou de Teologia da Libertação. Essa teologia ajudou a desvendar a realidade deste continente, perguntou pelo lugar da igreja nele e se propôs fazer uma releitura do evangelho desde a perspectiva daquele que havia sido historicamente excluído nas andanças continentais. Para analisar essa realidade, muitos teólogos da libertação fizeram uso do instrumental marxista, enquanto outros fizeram uso também da proposta revolucionária articulada a partir do marxismo. Os detentores da teologia da MI discerniram a importância de entrar em diálogo crítico com a Teologia da Libertação, sem deixar de afirmar os princípios básicos de uma fé evangélica. É preciso dizer que nestas fileiras da MI havia desde evangélicos que se identificavam com uma expressão mais “conservadora” da fé, quanto outros que o faziam desde uma perspectiva mais “progressista”. Também se pode dizer que o instrumental marxista de análise da realidade foi usado e importante para vários, mas não tenho registro de nenhuma conversão para um marxismo ideológico. Na verdade, acho a discussão em torno da influência marxista na teologia da MI muito fora de foco. O foco de fato era o evangelho do reino de Deus e sua vivência na realidade circundante. Nada mais e nada menos do que isso. Aliás, isso devia ser feito, em épocas passadas e com muita dificuldade, em contextos de muitos governos autoritários e militares. Hoje o contexto mudou, mas a MI ainda quer o mesmo: “todo o evangelho para todos os povos”, a partir do lugar onde nos sabemos chamados por Deus.

A vivência da MI nem é tão integral assim. Aliás, nada que propormos ou fizermos vai ser bem integral, sendo sempre limitado e até unilateral, o que é marca da nossa humanidade caída. A vivência da MI se torna um pouco mais integral quando vivida em comunidade, e creio que essa marca ela tem. A MI é uma proposta que se gerou em comunidade e se vive em comunidade. Ela é também um pouco mais integral, quando novas gerações a avaliam criticamente, complementam e contextualizam novamente, e nesta área a MI tem encontrado as suas dificuldades, ainda que vemos uma verdadeira multidão de jovens querendo abraçar e viver a isto que se tem chamado de MI

A MI é, em última análise, um esforço, desejo e intento missionário e comunitário de escutar, receber e viver o evangelho de Jesus Cristo de forma intensa, comunitária e contextual. Aliás, o conceito “Missão Integral” deve estar a serviço disso. Caso contrário, mudemos de linguagem – mas sempre querendo nos encontrar no encanto pelo evangelho e no serviço do Reino de Deus no mundo no qual vivemos.

• Valdir Steuernagel é teólogo sênior da Visão Mundial Internacional. Pastor luterano, é um dos coordenadores da Aliança Cristã Evangélica Brasileira e um dos diretores da Aliança Evangélica Mundial e do Movimento de Lausanne.

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