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Opinião

Ravi Zacharias, mulheres abusadas e líderes narcisistas

Por Noa Alarcón Melchor

Pude analisar o que se sabe e o que pôde ser explicado detalhadamente sobre o caso de Ravi Zacharias. Por isso, creio ter a obrigação de explicar aqui esta história, com o propósito de compartilhar a verdade já demonstrada.
 
Hoje tenho que falar sobre algo muito desagradável; você deve saber disso e se sentir livre para evitar o desconforto antes de continuar a ler. Além disso, é um texto longo. Porém, se algo está claro para mim neste momento é que evitarmos falar sobre coisas desagradáveis apenas nos leva a uma perdição maior.
 
Compromisso com a verdade dos fatos
 
Durante o mês de fevereiro fomos recebendo a informação, a partir do que já tinha sido revelado em setembro por Christianity Today, sobre o que já havia sido possível comprovar de forma confiável: que Ravi Zacharias, o famoso apologista que morreu em maio de 2020, passou grande parte de sua vida e ministério vivendo uma vida dupla: enquanto liderava um ministério de palestrantes e apologistas para explicar as razões intelectuais da fé e da confiança em Jesus Cristo, ele desenvolveu um padrão em escala mundial de abuso sexual de mulheres, incluindo estupros, e o ocultou de todos.
 
Pude traduzir e adaptar parte dessas informações de Christianity Today a seu pedido, e nas últimas semanas, por questões que me afetam direta e indiretamente, e muitas pessoas pelas quais tenho o compromisso de orar nestes tempos difíceis, pude analisar o que se sabe e foi explicado com muitos detalhes.
 
Por isso, creio ter a obrigação de explicar aqui esta história, com o único propósito de contar a verdade do que já foi demonstrada. Digo isso porque muitos de nós estamos um pouco assustados que no mundo de língua espanhola esta questão esteja sendo negligenciada com um mero “isso pode acontecer com todos nós” ou “quem estiver livre do pecado, atire a primeira pedra”. Não. Não é tão simples, nem tão inocente. Acho que, em parte, é porque não há muitas explicações ou detalhes em espanhol a respeito; então, humildemente tentarei resolver isso. Muitos dos links que compartilho estão em inglês, mas acho que com ferramentas como o Google Translate, quem tiver interesse em saber mais poderá ter uma boa ideia do caso.
 
Tentei estar o mais próximo possível dos fatos conhecidos e das informações que foram comprovadas, mas entendo que, em questões que afetam tantos de nós pessoalmente, existem muitos outros detalhes e, quem sabe, haja alguma avaliação ou ajuste a ser feito.
 
Mesmo assim, sei que há coisas que são difíceis de acreditar.
 
Tentarei explicá-lo com a certeza de que a esta altura esses fatos já foram comprovados como verdadeiros por diferentes fontes, incluindo a investigação particular de Miller & Martin, solicitada e publicada pela RZIM (Ravi Zacharias International Ministeries, a organização que Zacharias fundou).
 
Entendendo o histórico dos acontecimentos

A história começa em 2015, com um advogado canadense chamado Steven Baughman, que descobriu, quase sem querer, que parte das credenciais que Ravi Zacharias afirmava ter (seus diplomas universitários e currículo acadêmico) eram falsas ou infladas (somente em inglês). Ele investigou o assunto, sem muitas dificuldades, e chegou a denunciá-lo. Para ele, como para muitos, parecia uma acusação bastante séria, principalmente para quem tinha um ministério internacional e mantinha sob seu nome uma organização inteira que afirmava defender a verdade. No entanto, para sua surpresa, ninguém “captou a mensagem”, e a RZIM não deu a importância devida ao assunto. Baughman, no entanto, escreveu um livro e deixou ativo seu blog para que as informações que ele revelou serem verdadeiras não se perdessem.
 
Em 2017, uma canadense, Lori Anne Thompson, denunciou Ravi Zacharias por tê-la coagido a enviar fotos sexualmente explícitas e manter um relacionamento emocional e sexual a distância e, quando ela se arrependeu e quis se retirar, Ravi ameaçou cometer suicídio e tornar sua vida impossível. O escândalo veio à tona e há diferentes relatos do que aconteceu, mas quase todos concordam que dentro do conselho de administração e liderança da RZIM houve uma tentativa de minimizar o corrido; e isso pela simples razão de que ninguém, absolutamente ninguém, conseguia aceitar que Ravi Zacharias pudesse ter agido assim. Zacarias era considerado uma pessoa boa, santa e até ingênua demais. Essa imagem dele, segundo as fontes, gerava o temor de que a mulher tivesse se aproveitado da ingenuidade de Zacarias para chantageá-lo financeiramente; então o defenderam sem investigar mais a fundo as acusações, embora alguns membros proeminentes do RZIM tentaram fazer uma investigação aprofundada do assunto em 2017, mas todas essas tentativas foram abafadas pela direção. Se requeria lealdade absoluta ao líder, e qualquer raiz de crítica ou desconfiança era erradicada. Essa era a política da organização.
 
Ravi Zacharias, por sua vez, denunciou Lori Anne Thompson por extorsão, e tudo terminou em um acordo econômico para pôr fim ao julgamento e em um acordo de confidencialidade com o qual ambas as partes concordaram em não falar mais sobre o assunto, embora o próprio Ravi Zacharias levou dias adiando o acordo para apresentar sua versão dos acontecimentos, sem permitir que Thompson pudesse responder, sob pena de que todo o peso da lei e os advogados de Zacarias caíssem sobre ela. Estabeleceu-se a versão oficial de que Thompson havia feito uma tentativa de extorsão, que era a versão de Zacharias.
 
Com a morte de Zacharias, as coisas começaram a mudar

Foi assim que as coisas permaneceram, oficialmente, até a morte de Zacharias em maio de 2020. Seu funeral contou com a presença do próprio vice-presidente dos Estados Unidos na época, Mike Pence, e não faltaram elogios ao falecido. Essa foi a sensação que permaneceu para a grande maioria das pessoas: que um campeão da fé havia falecido. Enquanto assistia pela internet ao funeral de Zacarias, uma mulher que havia trabalhado com ele e tinha sofrido repetidos abusos sexuais durante anos, se perguntava se ela era a única pessoa que sabia a verdade sobre Zacarias, e então colocou-se em contato com Steven Baughman através de seu blog RaviWatch. Ele diz que começou a investigar e descobriu que havia pelo menos três mulheres dispostas a lhe contar, em sigilo, os anos de abuso sexual que haviam sofrido da parte de Ravi Zacharias. Baughman disse que não se sentia com autoridade suficiente para relatar eventos tão graves, e então contatou a Christianity Today para que investigassem a fundo a história. Foi assim que o periódico, em setembro de 2020, publicou uma extensa reportagem na qual foram colhidos os depoimentos dessas três mulheres, depois de haver verificado da melhor maneira possível a veracidade de suas histórias. Essas mulheres relataram que trabalharam como massoterapeutas certificadas (um diploma de nível médio nos EUA, semelhante a um fisioterapeuta) em dois dos centros de spa que Zacharias fundou em Alpharetta, Geórgia, a uma curta distância da sede da RZIM. E este é um detalhe importante. Não está claro de onde veio o dinheiro de Zacharias para construir esses negócios, embora investigações subsequentes apontem indícios de que fundos da fundação humanitária da RZIM “Wellsprings International” foram usados de forma fraudulenta. Também se soube pelo relatório que uma organização da RZIM, chamada “Touch of Hope”, funcionava como um fundo privado e ilimitado para Zacharias, por meio do qual ele pagava suas amantes e financiava seus abusos. Em todo caso, Zacarias sempre se apresentou nesses spas como membro fundador, ou seja, como alguém que tinha poder suficiente para demitir quem ele considerasse necessário. Enfim, quase todos explicaram que Zacharias parecia um bom homem, uma figura paterna que se preocupava com as pessoas com quem trabalhava, conquistando a confiança de todos. Era sabido que Zacarias recebia massagens para combater as dores de uma lesão nas costas ocorrida em 1985. O que não se sabia é que, na privacidade das salas de massagem, ele investigava as massagistas e aquelas que considerava suficientemente vulneráveis (devido ao contexto familiar, problemas financeiros) passava a assediar com toques, permanecendo desnecessariamente nu durante as sessões, pedindo que massageassem sua região genital ou, diretamente, se masturbando durante a massagem. Existem testemunhos de que isso aconteceu mais de cinquenta vezes com uma das vítimas. Há testemunhos de que algumas mulheres desistiram no início do assédio, deixando o emprego sem explicação. Há depoimentos de que Ravi Zacharias não o fazia com todas as mulheres, apenas com algumas que ele selecionava, ganhando previamente a sua confiança, até ajudando-as financeiramente e depois pedindo-lhes sexo em troca, quando estavam numa situação de não poder recusar a ajuda ou devolvê-la. O testemunho com o qual todas coincidiam era que todas essas mulheres permaneceram em silêncio até a morte de Zacarias, porque ficou claro para elas que sua palavra não valia nada em comparação com a palavra do grande líder cristão; ninguém iria acreditar nelas. A linguagem religiosa utilizada por Zacharias também as fazia sentir-se culpadas, como se tivessem sido elas que “fizeram o grande homem de fé cair no pecado”. Muitas suportaram essa situação por anos. Esses atos aconteciam quando estavam a sós nas salas de massagem. Por um lado, não havia testemunhas; por outro, era a palavra das massagistas contra a de Zacarias. E essa situação, como todas as fontes explicaram, foi propiciada e deliberadamente planejada por Ravi Zacharias para esconder seus abusos.
 
Não dava mais para “tapar o sol com a peneira”...

Depois que essa investigação foi revelada em setembro, os líderes da RZIM, alarmados, decidiram contratar os serviços de um escritório de advocacia externo para investigar todas essas informações. Naquele momento, todos na RZIM concordaram em fazê-lo, com a convicção de que somente uma investigação aprofundada limparia o nome de Zacarias, que ainda consideravam totalmente inocente e vítima dessas acusações.
 
A surpresa foi que em dezembro um relatório preliminar da Miller & Martin alertava que o que eles haviam descoberto confirmava a história dos abusos, e quando em fevereiro o relatório final foi entregue e tornado público, com todos os detalhes desses ataques e muito mais coisas que foram descobertas da vida dupla de Zacharias, os danos e o alcance das notícias foram devastadores.
 
O relatório dos investigadores, alertam, não pode ser exaustivo, pois só puderam investigar o que aconteceu entre 2014 e 2020, analisando os dispositivos de Zacharias, interrogando testemunhas, vítimas e corroborando suas histórias e históricos profissionais. Ou seja, não se sabe há quanto tempo Zacarias estava agindo assim, mas presume-se que, com um padrão tão bem estabelecido para poder se esconder, deve ter sido por muito tempo. Não apenas a história das três massagistas que contataram a Christianity Today foi corroborada como verdadeira, mas muitas outras vítimas foram descobertas, todas elas também massagistas certificadas. Os abusos durante as sessões de massagem também ocorreram nas viagens de Zacarias para seu ministério, particularmente no Sudeste da Ásia, embora eles não tenham conseguido chegar lá para investigar a fundo. Descobriram que Zacharias teve diferentes casos amorosos consentidos durante aqueles anos; ao mesmo tempo, foram descobertos seus abusos sexuais contra mulheres que foram coagidas, pagas ou que receberam presentes luxuosos para forçá-las a não falar. Foi descoberto que ele tinha centenas de fotos de mulheres em seus telefones celulares, muitas delas sexualmente explícitas. Também foi possível verificar, ainda que indiretamente (porque a questão do acordo de confidencialidade é muito obscura) que o que Lori Anne Thompson denunciou em 2017 era absolutamente verdadeiro. Na verdade, embora em sua declaração imediatamente posterior, Ravi tivesse garantido que nunca havia pedido aquelas fotos e que seu erro foi não contar a ninguém em sua organização, os investigadores descobriram que antes e depois dessas declarações ele continuou a receber fotos e vídeos de mulheres (muitas delas com menos de 30 anos), muitas delas sexualmente explícitas, e não há registro algum de ter contado jamais a alguém na RZIM. Também ficou demonstrado que Zacharias mentiu quando afirmou que em seus 45 anos de casamento nunca esteve sozinho com outra mulher além de sua esposa ou filhas, pois os depoimentos das dezenas de massagistas que estiveram a sós com ele estão aí, e eles são verdadeiros.
 
Reconhecimento público e pedido de desculpas

A resposta da RZIM foi contundente, pedindo desculpas às vítimas em primeiro lugar e admitindo uma reestruturação interna que vai muito além do que pensavam após a morte do fundador. O braço britânico da empresa, o Zacharias Trust, já divulgou um comunicado anunciando que estão se desligando totalmente da RZIM e que mudariam de nome. Diferentes sedes nacionais em todo o mundo enfrentam agora a difícil realidade de que, sem os fundos que viriam da sede nos Estados Unidos, seu trabalho provavelmente será inviável. Alianças e atividades planejadas, já afetadas pela pandemia, estão suspensas. É muito provável que o ministério finalmente desapareça; claro, não pode continuar como estava.
No entanto, por trás de tudo isso, existem outras questões para analisar e discutir.
 
Lições e oportunidades de reflexão para a igreja como um todo

Acredito que o primeiro passo é reconhecer a dor e a realidade das vítimas e lamentar que tudo isso tenha se desenvolvido em um sistema que impediu que os abusos viessem à tona. Muitas pessoas lamentam exatamente isso. Também lamento que isso não tenha sido conhecido enquanto Zacarias estava vivo, honestamente. Teria sido melhor confrontá-lo com essas questões e dar-lhe a oportunidade de se arrepender. No entanto, precisamente por causa da magnitude dos abusos e de sua natureza, é perfeitamente compreensível que não pudessem ter sido conhecidos até sua morte.
 
As primeiras vítimas foram aquelas de seu abuso sexual. Depois, sua família e as pessoas próximas. Por fim, aqueles que colocaram seu amor e confiança em Zacharias, de alguma forma, também são suas vítimas. O único culpado por manter suas atividades criminosas nas sombras por décadas foi Ravi Zacharias. O único culpado de enganar sistematicamente a todos, dando uma imagem angelical e falsa de si mesmo, foi ele. Por isso, sinto muito pela dor que tantas pessoas estão sofrendo por causa dele. Houve pessoas que o seguiram, que leram seus livros, que ouviram suas palestras, e sinto muito por aqueles que se sentem decepcionados e magoados. Um processo terá que ocorrer para curar isso. O que é demonstrado é a natureza predatória, pecaminosa e enganosa de Zacharias. Ele fez isso de tal maneira que ninguém, absolutamente ninguém, poderia duvidar dele ou criticá-lo. E isso é o importante: devemos reconhecer que este é o padrão de comportamento habitual de sociopatas e narcisistas. Era por isso que era impossível o caso vir à tona enquanto ele estava vivo, porque seu sistema de ocultação funcionava.
 
O caso de Zacharias torna-se, involuntariamente e para nosso pesar, um caso paradigmático de como pessoas com transtornos de personalidade, completamente afastadas da piedade e da bondade exigidas dos homens de Deus, se fazem passar por piedosas. Os narcisistas anseiam e acumulam posições de liderança. No caso de Zacharias, ele mesmo criou uma corporação com seu nome e foi colocado na mais alta posição de liderança. E enquanto o povo evangélico ficava impressionado e elogiava as grandes conquistas da organização, Zacarias usava essa plataforma para dar vazão a seus instintos mais baixos.
 
Teria sido terrivelmente difícil admitir que ele tinha relacionamentos românticos com outras mulheres, como é o caso. Mas o problema é ainda mais sério com os relacionamentos não consensuais, abusos sexuais sistemáticos, abusos de poder. Por um lado, há a história de mulheres que foram estupradas e abusadas, quase forçadas durante anos a uma forma distorcida de prostituição, aproveitando-se de sua fraqueza. Por outro lado, há o abuso de poder que Zacharias exercia em sua organização, do qual também há testemunhos. O maior problema de todos é que ele nunca se arrependeu, mas conseguiu manter a fachada de inocência até o momento de sua morte.
 
Como se isso não fosse suficientemente doloroso, devemos acrescentar ainda outro patamar de dor: o número de personagens dentro do mundo evangélico que se identificam mais com o agressor do que com as vítimas. Eles surgiram como cogumelos nas últimas semanas, e são eles que podem nos ajudar a entender o grave problema que temos como povo evangélico.
 
O perigo pode estar bem mais próximo do que imaginamos

Não sabemos como reconhecer os sociopatas entre nós. Deixe-me citar o apóstolo Paulo: “Eles parecerão piedosos, mas sua conduta desmentirá o poder da piedade. Afaste-se dessas pessoas!” (2Tm 3.5). “Eles professam conhecer a Deus, mas por suas ações o negam; são abomináveis, desobedientes e incapazes de fazer o bem” (Tt 1.16). E também citarei o apóstolo Pedro: “Seu conceito de prazer é ceder a paixões desenfreadas em plena luz do dia. São uma mancha e uma sujeira, que desfrutam de seus prazeres enquanto os acompanham em suas refeições. Seus olhos estão cheios de adultério e eles são insaciáveis no pecado; eles seduzem pessoas inconstantes; eles são especialistas em ganância, filhos da maldição! (…). Esses indivíduos são fontes sem água, nevoeiro impulsionado pela tempestade, para os quais está reservada a escuridão mais densa. Fazendo discursos arrogantes e sem sentido, eles seduzem com instintos naturais desenfreados aqueles que estão apenas começando a se afastar daqueles que vivem no erro. Prometem-lhes liberdade, quando eles próprios são escravos da corrupção, pois cada um é escravo daquilo que o domina” (2Pe 2.13-19). É uma grande pena não termos lido isso com suficiente discernimento espiritual; é uma pena que não soubéssemos aplicar esses conselhos enquanto Zacharias estava vivo, incapaz de descobrir sua verdadeira natureza, porque fomos enganados pela falsa ideologia do sucesso. Acreditamos, sem dúvida, como povo evangélico, que sucesso é sinônimo de santidade, pois substituímos os ensinamentos da Bíblia pelos do pensamento empresarial. Acreditamos que se alguém tem fama, destaque e atenção, não devemos realmente “suspeitar” de suas palavras, analisá-las minuciosamente e à luz de sua vida devocional privada, pois ela nos parece uma pessoa santa. É o mesmo mecanismo pelo qual ficamos fascinados por pessoas famosas que falam sobre seu cristianismo, e pelo qual dizemos não acreditar na teologia da prosperidade, mas automaticamente pensamos que se alguém tem dinheiro é porque Deus o abençoa.
 
Não estou falando apenas de Zacharias. Tenho certeza de que, ao explicar a conduta repleta de desvios e mentiras dele, vem à mente de muitos de nós pessoas que conhecemos e que agem exatamente da mesma forma. Que não permitem críticas, que usam linguagem religiosa para subjugar os outros. Que manipulam a impressão que se tem de si mesmos desde fora. Que quem os conheça um pouco mais pessoalmente se sinta incomodado, incapaz de perceber o divino neles, incomodado por percepções contraditórias. E esse tipo de pessoa é abundante no povo evangélico, onde quer que haja uma posição de poder disponível. Paulo diz: “Portanto, o bispo deve ser irrepreensível, marido de uma só mulher, moderado, sensível, respeitável, hospitaleiro, capaz de ensinar; ele não deve ser um bêbado, um brigão ou amigo do dinheiro, mas amável e gentil. Ele deve governar bem a sua casa ”(1Tm 3. 2-4). Esses homens bons, gentis, humildes, sábios e maravilhosos existem e estão entre nós. Eles são homens que amam a Deus acima de todas as coisas, mas carecem daquela natureza predatória e agressiva, que em nossa cosmovisão empresarial da igreja não é identificada com o mal, mas com ser “pessoas boas para liderança”. Portanto, não permitimos que esses homens assumam posições de liderança. Deixamos que sociopatas, narcisistas, aqueles que falseiam as emoções e a devoção a Deus, mas não a vivem, ocupem posições e tomem o poder para acabar abusando dele. Falhamos no discernimento espiritual que o Espírito dá à sua igreja. E é hora de nos arrependermos também, pedir esse discernimento e expulsar os lobos em pele de cordeiro das posições de liderança. É muito difícil compreender isso, mas devemos entender que é um mandamento bíblico que estamos desobedecendo.
 
A árvore será conhecida por seus frutos

Você sabe por que tenho certeza de que esses sociopatas estão lá, em posições de liderança na igreja? Porque no momento da verdade, eles se sentiram mal por Ravi Zacharias, não por suas vítimas. Eles se identificam com o agressor, não com os agredidos. E eles apresentam dezenas de desculpas, e citam dezenas de versículos bíblicos para desviar o assunto e insistem que “todos nós podemos cair nestes pecados” ou “todos os pecados são iguais perante Deus”. Sinto muito, mas isso eu não consigo aceitar. Não entendo e não tentarei entender que o pecado de estuprar mulheres e organizar tramas ocultas de abuso sexual acontece “sem querer”. Claro que todos nós pecamos, mas isso não é razão para acreditar que podemos pecar a qualquer momento sem perceber. Porque se alguém busca o Senhor e o ama, e compartilha sua vida com ele, o Espírito nos tira daquele lugar escorregadio onde cometemos o mesmo pecado repetidamente. Isso é o cristianismo básico. Àqueles de nós, que amam o Senhor e compreendem a nossa fraqueza, mas também a santidade sob a qual ele nos protege; sabemos que quanto mais perto estamos dele, mais longe estamos do pecado. Estamos isentos de pecar? Claro que não. Mas não planejamos inadvertidamente criar uma rede de ocultação para abusar dos fracos, “das viúvas, dos órfãos e dos estrangeiros”. E creio que este deveria ser um dos sinais para nos mostrar que essa pessoa na liderança não cumpre os requisitos de 1 Timóteo 3.
 
Acho que faremos algo bíblico se nos recusarmos a usar os livros e recursos de Zacharias novamente. Ficou demonstrado que ele não era um homem de Deus verdadeiro e sincero. Foi demonstrado que ele não queria se arrepender de seus pecados. Acho que é bíblico, nesse sentido, nunca seguir seus conselhos novamente. E, no fundo, não se trata de “só mais alguém” que ficou em evidência, em situação de fama e sucesso, e “caiu em desgraça”, essa estranha expressão. Pode-se dizer que houve alguns que caíram em desgraça, mas depois se arrependeram e foram honestos diante de Deus e de seus irmãos. A esses temos perdoado, aceitado e restaurado junto com o Senhor. Acho que não seria justo incluir Zacharias nesta categoria.
 
Acho que ele deveria ser perdoado, é claro, para nosso próprio bem e descanso; deixando claro que o perdão não deve ser imposto, mas encorajado. O primeiro que nos incentiva a perdoar é o próprio Deus, mas nenhum perdão é genuíno se você não reservar um tempo para aceitar o mal que foi causado. Há quem chame “perdão” o que é uma simples tática de dissimulação e obrigação a guardar silêncio. Quando um erro é negado, não pode haver perdão genuíno. Devemos reconhecer a realidade das vítimas, de todas elas, e deixar espaço para a dor e a restauração; e encorajar o perdão para encontrar descanso, sim. Mas com o tempo, com o custo a ser pago.
 
Porém, mesmo uma vez perdoado, acredito que não devamos usar nenhum de seus recursos novamente; e ler seus livros apenas como um exemplo da suprema hipocrisia que precisamos aprender a evitar. Você pode perdoar uma criança que, inadvertidamente, chutou uma bola e acertou uma cristaleira dentro de casa; isso não significa que você deva deixá-la continuar jogando lá com a bola.
 
Poderíamos conversar por horas sobre tudo isso, mas acho que o mais urgente é pedir a vocês que orem ao Senhor por sabedoria e discernimento, porque tenho certeza que muitos de vocês sabem de que tipo de líderes narcisistas estou falando. Talvez você trabalhe para eles, e saiba como são mesquinhos em privado e como parecem santos em público. Talvez eles sejam seus pastores e você tenha ouvido repetidas vezes sobre seus abusos de poder, que foram convenientemente ocultados ou mesmo descartados por se passarem por vítimas. Veja a história de Ravi Zacharias. Veja os abusos demonstrados. Aquela vozinha dentro de você dizendo que há algo de errado com eles e que você não deve ficar calado, não significa que você esteja louco e deva silenciá-la: é o Espírito Santo chamando sua igreja para ser fiadora da verdade. E pode ser a hora de ouvi-lo.
 
• Noa Alarcón (Madrid, 1983) é escritora, editora e tradutora especializada em teologia e ciências bíblicas. Ela estudou filologia hispânica e filologia hebraica em Madrid e em Barcelona. Atualmente mora em Granada com sua família.
 
Publicado originalmente no site Protestante Digital. Reproduzido com permissão.

Traduzido por Reinaldo Percinoto Jr.

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