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Opinião

A voz da criação

A música cristã contemporânea e a questão ambiental
 
Por Gladir Cabral
 
O velho poeta cantava em tempos passados: “Quantas são as tuas obras, Senhor! Fizeste todas elas com sabedoria! A terra está cheia de seres que criaste. Eis o mar, imenso e vasto. Nele vivem inúmeras criaturas, seres vivos, pequenos e grandes. Nele passam os navios, e também o Leviatã, que formaste para com ele brincar” (Salmo 104:24-6). Numa tradução livre, eu preferiria cantar: “Nele passam os navios, e também a baleia jubarte, que formaste para com ela brincar”. Os salmos falam de um Deus criador que se alegra com suas criaturas, e cujo prazer está em relacionar-se com elas. Os salmos revelam o impacto que a contemplação produz no olhar do artista, seus olhos abertos perante a realidade que o cerca, seus ouvidos atentos à voz da criação.
 
A música cristã contemporânea precisa reverberar mais a sensibilidade ambiental presente no livro dos Salmos. Há ali profundo material para reflexão, experimento e labor estético e teológico. Já há muitas canções que falam da natureza e a colocam como tema central, e esses cânticos precisam ser conhecidos e ouvidos com mais atenção. A lista a seguir não é exaustiva nem alcança todos os gêneros musicais. Ela está mais voltada para músicas que buscam conectar-se com a cultura popular brasileira e talvez possam ser chamadas de música popular brasileira cristã, embora o nome não seja rigoroso.
 
Ao ouvir várias canções, percebi que algumas utilizam a natureza como metáfora da experiência espiritual. Nelas o foco temático é algum aspecto da relação com Deus, e as referências à natureza são utilizadas para colorir esses temas. É o caso de muitas canções de adoração escritas por Jorge Camargo, cheias de ternura e gratidão pela natureza, muita poesia e sensibilidade humana. É o caso da canção “Ajuntamento”, em que o poeta ora a Deus: “Faz teu rio de paz correr no meio / Destes que com fé vêm bendizer-te”. Ou da andorinha da canção “Teus Altares”, que encontrou no templo de Jerusalém um “ninho para si” assim como o crente encontra os altares do Senhor. É também o caso da canção “Terra Boa”, de Glauber Plaça, que liga o Salmo 1 com os frutos do Espírito citados no livro de Gálatas. Belíssima poesia, cheias de imagens vívidas e naturais. “Sou como árvore plantada junto ao ribeiro das águas / Que em seu tempo, na boa estação, frutificará / Campos de terras molhadas, por este rio são regadas / Onde eu firmo as raízes no chão que me alimentará”. Toda a linguagem é repleta de referências às forças da natureza. 

Há, porém, muitas canções em que a natureza aparece como tema principal. É o caso da de “Sabiá”, de Carlinhos Veiga, que fala da ave que vem acordá-lo todos os dias para adorar ao Criador. O poeta é interpelado pelo sabiá. É a natureza chamando as pessoas para adorar. Na canção “Terra”, de Carlinho Veiga, a Terra é apresentada como mãe, irmã e amiga. Há uma relação de parentesco com o planeta. O artista não se vê como separado dele, mas como seu descendente e ao mesmo tempo seu progenitor. A semente é plantada no chão e brota como num milagre. Entretanto, ali também cresce a injustiça, a exploração do trabalho humano, o choro, o lamento. A canção ensina a lamentar e perceber a violência que se faz contra a criação.
 
A canção “Maracatu do Aratu” (Carlinhos Veiga e Rogério Pinheiro), com arranjo bem regional com sanfona, violão e percussão, celebra a Mata Atlântica brasileira. A voz do poeta descreve o aratu, um pequeno caranguejo que habita as regiões de mangue, também chamado de aratupeba, marinheiro, carapinha. Em certa altura da canção, o poeta dialoga com o aratu e tenta avisá-lo da ameaça do pescador. E avisa: “Sai, corre, aratu!”. O poeta parece reconhecer a ameaça que os seres do mangue sofrem e tenta alertá-los. 

A canção “Todas as manhãs”, de Silvestre Khulmann, uma das mais conhecidas e tocantes canções que mostram a vida do homem do campo, um poema bucólico pintado pelo Criador. O homem do campo reconhece que sua vida depende do Deus que faz despertar o dia e que o enche de amor ternura. “Uma toada fora de moda, uma viola, seu desabafo, louvor a Deus, o seu amigo que desperta o dia e com amor sacia”. A canção toda é um poema de paz que celebra a importância da presença de Jesus: “Sem Ele o ganta atrasado, passarim pia desafinado, o colorido parece acinzentado e o coração fica sempre amargurado”. Mensagem singela e que leva a uma profunda meditação sobre a harmonia da vida natural e espiritual. 
 
Carlinhos Veiga escreveu “Acuípe” e celebra a criação de Deus, o grande artista. Uma celebração da beleza do Criador e que “rege a dança dos coqueiros”. A canção fala de paz, consolo e contemplação. Ela também faz pensar que nossa vida é quadro inacabado e que está sendo continuamente trabalhado pelo grande Artista.
 
A mesma vontade de diálogo já se percebia na canção “A Andorinha”, de João Alexandre, lá dos anos 1980, em que o poeta mostra o quanto a ave, em sua liberdade, alegra o coração de Deus. Ela abre caminhos e desenhos no ar. Canta sua liberdade. E Deus dialoga com ela. A andorinha é chamada de “minha companheira”. Há o reconhecimento do carinho de Deus pelos seres que criou. Ao mesmo tempo, há o reconhecimento de uma ameaça, pois “o mal é tremendo”. Por isso a voz avisa para que a andorinha fuja. 

Carlinhos Veiga escreveu outra canção belíssima intitulada “Navegando o Araguaia”, na qual mistura memórias da infância com o reconhecimento da realidade atual em relação ao meio ambiente. A canção reflete a cultura do Cerrado, a beleza do rio e das plantas, a abundância e peixes, o fenômeno como a piracema, os tucunarés, os jacarés e as sucuris. É um chamamento à proteção ao meio ambiente e uma denúncia aos efeitos das várias agressões ao meio ambiente do Cerrado. Os povos indígenas também estão presentes e são citados na canção: xavantes, caiapós, carajás. Com eles, precisamos aprender a cuidar da terra e do rio.
 
Rubão é outro grande artista que já escreveu muitas canções sobre o meio ambiente. Entre elas, destaco a canção “Amazônia”, que denuncia o descaso, a violência e o preconceito que grassam pelo interior do Brasil. Em ritmo amazônico e percussivo a canção também faz um chamamento à resistência, a “proteger a Amazônia”, a “verde canção”. Complemetando, há também a canção “A caminho do mar”, que segue o caminho do rio em direção ao mar, à imensidão profunda. A canção segue o curso das águas e o fluxo dos peixes. É uma canção de celebração, de quem sabe que não está sozinho. Muita poesia, muita alegria, uma beleza de linguagem de Salmos. Saber que Deus foi quem desenhou o curso dos rios já nos deveria garantir o respeito pela natureza. 
 
Outra canção impressionante de Carlinhos é “Aranherê”, que traz aos ouvidos e corações os sons da mata do Tumbá, o voo do pequeno colibri. A canção traz um lemento pelo fim da mata, celebra a beleza da pele indígena, e sem os povos da floresta a cabaça chora de dor, “dorme o girassol e perde a manhã a cor”. O passarinho deixou seu ninho e se embrenhou na mata que ainda resta, “raro verde”. Ao final, ouve-se uma poesia incidental em língua indígena: “O xim xam xam nairamam Korinkomam”, que quer dizer em língua dos índios da nação yscariana: Deus é bom! Deus é bom! Desde o nascer do sol até o pôr-do-sol”.
 
Quero terminar esta pequena lista com a canção “Olho dágua do casado”, um xote de Roberto Diamanso. Essa canção também fala do cuidado com o mundo, do trabalho humano, da responsabilidade mútua pela vida. Entre outras coisas, ela diz: “Somos casa do nosso Mestre / Causa de estarmos contentes / E é nosso dever de casa / Cuidar da casa da gente”. 
 
E aqui encerro esta pequena lista, um roteiro inicial. Há muitas outras canções não citadas, autores que não entraram aqui. Quem sabe em outro momento poderei continuar estas breves reflexões.


Leia mais
» No princípio criou Deus... | Revista Ultimato nº 378
» O papel do artista cristão no cuidado da criação | Entrevista com Carlinhos Veiga
» O homem e a terra: quem precisa de quem? | João Leonel
 
É pastor, músico e professor de letras na Universidade do Extremo Sul Catarinense (Unesc). É autor, em parceria com João Leonel, do e-book O Menino e o Reino: meditações diárias para o Natal. Acompanhe o seu blog pessoal.

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