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Opinião

A cultura e os novos desafios dos evangélicos

Por Jonatán Soriano | Entrevista com José de Segovia
 
O jornalista e teólogo espanhol José de Segovia reflete sobre a evolução da cultura na última década. Como as mudanças afetaram os cristãos evangélicos e que novos desafios eles enfrentam.
 
Para Segovia, "não podemos mudar a fé cristã. Essa tendência de reler os textos bíblicos em direção a algo mais aberto e aceitável às mudanças sociais levará à irrelevância, porque uma fé adaptada às crenças culturais acaba dependendo delas".
 
1) Muita coisa acontece em dez anos, mas, em geral, como você observa o desenvolvimento do relacionamento que os cristãos mantiveram com a cultura na última década?
 
Eu acho que o que marcou a cultura em geral nesta década é o desenvolvimento tecnológico. Os cristãos tiveram uma presença, mas, como acontece muitas vezes, não foi para fazer a diferença, mas para imitar muito do que tem sido até agora o desenvolvimento das redes sociais, com um tipo de interconexão muito agressiva, sempre procurando o elemento da controvérsia, do conflito. Eu acho que é isso que tem caracterizado a presença dos cristãos nesse grande desenvolvimento cultural que tem sido a internet. Se um aspecto deve ser destacado, é a maneira pela qual a apologética foi feita, buscando fundamentalmente o conflito.
 
2) Em sua opinião, como o surgimento de plataformas como Netflix, HBO ou PrimeVideo, a promoção de micro patrocínios e de editoras independentes, para citar apenas alguns exemplos, impactaram o nosso paradigma cultural?
 
Esses são os elementos mais significativos, pelo menos ao final desses dez anos. Ninguém pensaria, no início desta década, que as plataformas de streaming teriam uma viabilidade econômica. Podemos lembrar que, não há muito tempo atrás, o acompanhamento das séries era feito através de meios ilegais, de modo que apenas um determinado segmento da população estava habituado a transitar neste campo. Mas vimos como essas plataformas foram sendo padronizadas, e isto visando um público que não estava seguindo essas páginas ilegais, porque criaram o que parece ser um substituto para a televisão. A televisão subsiste, mas foi relegada a um setor da população que não está tão familiarizado com o uso do computador, inclusive com grande parte da programação sendo feita para eles. Enquanto isso, o público adulto de meia-idade e os jovens estão seguindo essas plataformas.
 
O micro patrocínio e os editores independentes atraem uma minoria que é significativa, pois é o setor que continua comprando a impressionante oferta de livros ainda disponíveis no mercado. A impressão é que os poucos que leem, leem tudo o que podem. É verdade também que a maioria dos leitores são mulheres. E muitos trabalhos são de autoria de mulheres que sabem que o público-alvo é principalmente feminino. É lamentável a depreciação progressiva do leitor masculino, que carece cada vez mais de uma cultura da leitura. Eles não são destinatários da cultura e literatura geral.
 
3) A década começou com uma recessão econômica que anunciava graves efeitos em todas as áreas, inclusive na cultura. Como você definiria a sobrevivência do setor neste momento?
 
Foi surpreendente o fenômeno da popularização de certas plataformas e outros eventos importantes, como o próprio surgimento do podcast. Depois que o rádio sobreviveu muito bem à televisão, surge outro tipo de acesso a todos os tipos de conteúdo de áudio, inclusive paralelamente ao aparecimento do YouTube. É um processo que se assemelha ao que aconteceu com a música, quando foi dito que o vinil desapareceria e que tudo estaria em discos digitais. No entanto, os primeiros sobreviveram. Assim como a televisão também sobreviverá frente às plataformas online. Essa sobrevivência tem muito a ver com a variedade do mercado. Assim como estávamos falando sobre a oferta de editoras independentes – é justamente essa diversidade de mercado que lhes permite sobreviver. Se houver concentração em um pequeno número de produtos, o produto cultural tem bem menos chance de sobrevivência. Existe uma variedade crescente que tem sido impulsionada pela Internet, permitindo o acesso a produtos destinados a uma minoria, e que antes eram muito difíceis de se obter numa loja. Antes havia uma uniformidade muito grande. Agora, há um público especializado que está procurando produtos muito específicos, então parece que a sobrevivência está na variedade.
 
4) Você teve um relacionamento especial com o mundo das livrarias. Relacionando-o ao surgimento dessas novas plataformas digitais e iniciativas culturais, que também produziram material de inspiração cristã, até que ponto você acha que existe agora uma ampla base de público cristão que está disposto a interagir, pagar e consumir cultura?
 
Tudo ainda depende muito do mercado americano, onde a indústria editorial e audiovisual está concentrada. Eles ainda são os que estabelecem os padrões e, como o cristianismo cresceu muito nos Estados Unidos, surgiu um mercado. Passou de uma pequena subcultura nos anos 1970, com o aparecimento de rádios, televisões e editoriais, todos produtos com o sobrenome cristão, para chegar às grandes cidades e aos rincões da América. Todos esses produtos inevitavelmente chegam até nós, passando primeiro por seus vizinhos sul-americanos, geralmente sem nenhuma contextualização. (...)
 
(...) No cinema, o público religioso é um dos poucos segmentos que ainda frequenta as salas. Nos EUA, as megaigrejas compram milhares de ingressos e ajudam esses produtos religiosos a terem um enorme impacto nas bilheterias. (...)
 
(...) As plataformas de streaming também estão cientes dessa realidade. Por exemplo, a Netflix, diante das reclamações recebidas pela paródia brasileira de um Jesus homossexual, começou agora a oferecer um filme sobre o apóstolo Paulo. Essa filosofia de "há algo para todos" está crescendo. Se você reclamar, eles darão o que você deseja. É assim que há cada vez mais filmes orientados para esse tipo de "audiência espiritual".
 
Quanto aos livros, ainda existe um divórcio em nosso contexto. Enquanto nos Estados Unidos, em qualquer aeroporto, os livros cristãos são colocados próximos aos não cristãos, em nosso contexto continuamos observando uma realidade dividida. (...) Além disso, muitos produtos são traduções de originais americanos e de qualidade muito baixa: livros muito semelhantes entre si nas questões abordadas. O mundo evangélico é cada vez mais previsível. (...) Tudo tende a uma uniformização que, infelizmente, penso ser o maior inimigo da riqueza cultural.
 
5) Então, continua existindo uma certa ingenuidade na hora de nos relacionarmos com a cultura?
 
Na esfera espanhola, sendo uma realidade europeia, não se vive isso tão dramaticamente quanto na América Latina; mas a migração, que tem feito com que ambas realidades se entrelacem, provoca o surgimento de uma subcultura [evangélica] dentro da cultura. Primeiro porque existem megaigrejas que apoiam o lançamento de tais filmes e grandes shows. Portanto, onde existe um potencial econômico para mantê-lo, há interesse em sustentá-lo. É isso que o mantém vivo. Mas há também um grupo de pessoas que não têm interesse nesse tipo de conteúdo e produtos. Então, duas realidades coexistem: aquelas pessoas que estão totalmente dentro da bolha, e outras que saíram e se divorciaram de suas preocupações espirituais naquilo que leem ou ouvem. Ou seja, de um lado há uma subcultura cristã e, de outro, uma imersão na cultura contemporânea sem nenhuma relação com a fé.
 
6) Muitos seguem de perto sua coluna semanal no Protestante Digital, sobre o relacionamento entre cultura e fé. Pensando no conceito de "pop-ologética" [um ramo da ciência que lida com as funções de “apelo de massa” específicas para as indústrias das comunicações e artes], de Ted Turnau, como você acha que a cultura impactou a igreja nesses dez anos, e como a igreja influenciou a cultura de seu contexto?
 
Com seu termo "pop-ologética", Turnau abordou o problema da abundância da apologética filosófica, que sempre utiliza como referência os grandes pensadores e as correntes acadêmicas que marcam a tendência intelectual, negligenciando a cultura popular. Não havia uma inter-relação entre a cultura popular em geral e o mundo da apologética. O desafio ainda está aí. Primeiro, porque a chamada alta cultura sempre visa um público reduzido, com formação acadêmica, habilidade e interesse. Mas o que atinge a maioria das pessoas é a cultura popular, e é aí que está o desafio de relacionar a fé com o cinema, a música, os livros, as séries e tudo o que compõe a cultura popular do nosso tempo. (...)
 
(...) A igreja tem feito outro caminho. Ela se acomodou a essa cultura popular, e o fenômeno das megaigrejas é simplesmente a assimilação da cultura popular no contexto cristão. Isso pode ser analisado a partir de toda a cenografia, da arquitetura, que lembra as salas de espetáculos, e de como o modelo tradicional de igreja está em franco desaparecimento. Mas também há assimilação em outros aspectos, nos quais o ministério cristão adotou mais formas da cultura popular. (...) 
 
(...) Há também a agenda política, que tem permeado os setores cristãos que são resistentes à influência da cultura na igreja. Por fim houve uma politização desses setores. Vinte anos atrás, eles não falavam sobre política o dia inteiro como fazem agora. Houve mudanças e transformações muito claras. Há quem tenha muito orgulho por desafiar as tendências liberais e progressistas, as quais eles rejeitam, mas depois acabam refletindo as maneiras de agir que estão na agenda da sociedade que os cerca. A assimilação ocorre nos dois lados, mas é difícil reconhecê-la. Não compreendemos até que ponto somos uma cópia, uma cópia realmente ruim, do que o mundo nos oferece.
 
7) Se, com certa frequência, nos comportamos como uma cópia ruim da cultura, como podemos enfrentar os desafios futuros?
 
Exatamente. Precisamos discutir se continuaremos a ser essa cópia ruim, se continuaremos a ser a versão cristã do neoconservadorismo secular. Parece que temos uma agenda idêntica, literalmente ponto a ponto, do que proclamam movimentos sociais e partidos políticos. Outro desafio é a banalização completa trazida pelo relativismo moral, o vazio do modo de pensar politicamente correto que foi estabelecido. A ascensão de movimentos como o feminismo e grupos como o LGBTI levou a uma limitação na liberdade de expressão. Muitas coisas que faziam parte da nossa cultura até recentemente são agora impensáveis. Por um lado, estamos em uma época em que há mais liberdade do que nunca, mas, por outro, há consideráveis limitações. (...)
 
(...) O grande desafio dos cristãos é se eles terão sua própria fantasia cristã, alheios à realidade, ou se enfrentarão o realismo da vida a partir de sua fé. As assim chamadas mensagens espirituais e os produtos de valores baseados na fé são muito irrealistas. São mensagens positivas, nas quais não existem elementos sombrios, onde os personagens cristãos não possuem “sombras”, são totalmente maniqueístas, ora totalmente bons e ora totalmente maus. Penso que este tipo de abordagem terá de ser repensado, pois não corresponde à realidade da vida. Francis Schaeffer disse que o caminho para enfrentar as mudanças culturais da década de 1960, e dessa nova sociedade em que estamos, era com realismo e honestidade. E, claro, não podemos mudar a fé cristã. Essa tendência de reler os textos bíblicos em direção a algo mais aberto e aceitável às mudanças sociais, levará à irrelevância, porque uma fé adaptada às crenças culturais acaba dependendo delas. (...)
 
(...) Temos que ser fiéis ao cristianismo que encontramos nos escritos revelados da Bíblia, mas devemos fazê-lo com a honestidade que frequentemente nos falta. Devemos reconhecer a realidade de um mundo caído, nosso próprio pecado e a contradição em que vivemos. Mas também ser capazes de ver a enorme esperança e a mensagem incrivelmente libertadora que vem, não de algum tipo de “valores cristãos”, mas da vida do próprio Jesus. Este é o evangelho e a mensagem que o mundo precisa de nós para comunicar. O resto, no final, será irrelevante.
 
• Jonatán Soriano é um jovem jornalista que estudou na Universidade Rovira Virgili, em Tarragona (Espanha). Ele também possui um mestrado em Comunicação de conflitos de guerra, paz e movimentos sociais na Universitat Autònoma de Barcelona. 
 
Publicado originalmente nos sites Protestante Digital e Evangelical Focus. Reproduzido com permissão.

Tradução: Reinaldo Percinoto Jr.

 

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