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Opinião

Teceduras com José – o presente é a resposta

Todas as vezes que me encontro com a história de José, seja por (re)leitura voluntária ou por uma pregação que escuto, a memória revira as velhas caixas e vai buscar – em meio à poeira já instalada pelo tempo e escondida em um canto qualquer – a lembrança da primeira vez que a ouviu. De lá para cá, uns 18 anos se passaram.

Naquele primeiro retiro simples que participei – de chão batido, sem piscina ou quadra poliesportiva, com seus alojamentos de tijolos cinzas à vista, bicamas de ferro nos quartos, cozinha larga onde nos revezávamos para lavar as enormes panelas que preparavam o delicioso mingau de banana do café da manhã – e naquele salão ao lado, onde montávamos o nosso espaço de culto, com os bancos carregados por todas as crianças, eu conheci José.

Não sei se pelo suspense criado pelos contadores – que nos faziam aguardar o dia seguinte para só então sabermos mais um pedacinho do enredo – ou se pelo próprio encanto da história, José e seus irmãos entraram para o rol dos preferidos. O modo como fomos apresentados, cercados por tantos afetos, não me permite lembrar de José como mais um personagem bíblico, ou um exemplo a ser seguido, ou como o quarto na fila dos patriarcas – José é um amigo de infância.

Dessa vez não ouvi soar seu nome, nem meus olhos percorreram as velhas linhas. Acho que ele mesmo cutucou-me o ombro e foi logo entrando na minha história. Amigos são de fato assim; alegram-se quando têm um caso semelhante ao nosso para contar; no meio da conversa franca, começam a abrir seus baús de exemplos e a tirarem as tralhas adquiridas ao longo da vida para compará-las, lado a lado, com as nossas. Quando algo entre elas parece se assemelhar, ainda que seja uma coincidenciazinha, aquele sorriso maroto aparece nos lábios. E diriam em uníssono, “bingo”(!), se algo precisasse ser falado para traduzir o olhar de cumplicidade de ambos.

Pois bem. Aproximou o amigo a sua história da minha e fez-me perceber os entrementes. Não quer que eu lhe lasque logo, como os que só o conhecem de nome, o epíteto costumeiro de sonhador, que o coroou pelos séculos. Entre os sonhos da juventude – quando vira os feixes e depois os astros inclinando-se para si – e o fim da história, momento em que os irmãos prostam-se perante ele... – “O que vê?” – pergunta-me. – “O que vejo?” – demoro-me na resposta com medo de não dizer o que espera de mim. (Sim, até entre os amigos existem algumas cerimônias e quem sabe um certo medo de dar um passo em falso). Finalmente, digo-lhe, num tropel de palavras, tudo o que me vem à mente, para não correr o risco de errar: “ – Inveja, venda, trabalho, armadilha, prisão, sonhos, revelações, riqueza...”. Sem me deixar terminar a lista, ele anuncia em tom afirmativo: – “Resposta”. Sem rudeza nem doçura, apenas convicto, ele pronuncia a única palavra e se vai. Sua “resposta” transforma-se na minha pergunta: – “Resposta?”. Creio que me abandonara assim de repente não de maldade. Afinal, todo bom amigo nunca tem todas as “respostas” e esmera-se na tarefa de nos deixar – com sua ajuda, mas com alguma liberdade – chegarmos às nossas próprias conclusões.

Sentada de frente para o painel natural que está diante de mim, reflito no modo como pensei que a tal “resposta” sempre estaria num porvir. Talvez tenhamos algo de semelhante, eu e você, nessa busca infindável por estarmos no centro da vontade de Deus; nesse desejo de descobrir quando se cumprirá o sonho, qualquer que seja ele; ou, ao menos, de ter a certeza que a caminhada está na direção dos dias que foram “escritos e determinados quando nenhum deles havia ainda”. Ansiamos, de algum modo, pelo fim da história, onde tudo, mesmo que não termine bem, parecerá mais conclusivo do que todos esses retalhos que temos em mãos.

Começo a tecer. A colcha de cores sempre me encantou. Nesse movimento percebo que trabalho o presente com o que ele me oferece. Agulha, linha e panos não me pareciam de muito valia. Não que os considere inferiores, mas apenas não consigo coisa alguma fazer com eles, assim como estão, na concha das mãos. Resolvo começar. Acerto, erro, furo o dedo, sinto dor, perco a linha, tenho vontade de chorar, recomeço, faço um ponto e outro e outro, sorrio.

Nesse devaneio multicolorido pareço ter perdido José e sua resposta. Não. Soube o jovem traído pelos irmãos juntar os seus panos. Viveu no Egito fazendo ali tudo o que pôde. Jamais te ocorreu perguntar o porquê de ele não ter voltado para Canaã após ter conseguido dinheiro e status suficiente para fazê-lo? Haveria ele se esquecido dos sonhos da juventude? Pouco provável. Ironicamente, foi interpretando sonhos que se estabeleceu em uma terra que não era a sua.

Intriga-me perceber como ele não correu atrás do sonho. Antes, o esperou. Esperou em plena ação. Talvez por entender cada dia como uma resposta, soube andar com a bruma misteriosa que só nos permite ver o próximo passo, e nada mais adiante. Nem mais um sonho teve ele no Egito, para lhe assegurar de que o caminho era mesmo aquele que percorria. Entretanto, teceu. Trabalhou com todo o material disponível. Tornou-se ele mesmo instrumento.

Vamos ao arremate. Com a chegada dos irmãos, do pai, com a compreensão de que o sonho de José não foi apenas um capricho da parte de Deus para fazê-lo melhor que os irmãos, mas um plano “para a preservação da vida”, compreendemos que no Egito estava a resposta. Na ânsia por encontrá-la, José poderia nunca ter visto que ela estava diante de si, sendo formada a cada nova atitude sua.

Com minha colcha posta sobre os joelhos, cobrindo-me do vento frio que faz agora, vejo José que me diz: – “Aí está!”. Eu, inocente, pergunto: – “O que?”. Olho para o meu colo, volto o olhar para esse garoto matreiro de minha infância e levanto correndo para alcançá-lo. Deixo-te, amigo, chegar à sua resposta.

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Mariana Furst tem 29 anos, é mestre em teoria literária e assistente editorial da editora Ultimato

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