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Opinião

Samaritanos entre feridos, falidos e falecidos

Por Clarice Ebert
 
Milhares de falecidos, milhões de falidos, e incontáveis feridos. São os rastros da pandemia, gerada pelo novo coronavírus. A tragédia de tantos falecidos assusta e mobiliza previsões, prevenções e ações práticas. Diante da ameaça da vida tudo o mais perde a força e o sentido. Os investimentos são direcionados para diminuir ao máximo a ameaça da perda da vida, seja a própria, ou de pessoas do círculo mais próximo ou distante. 
 
Outra tragédia é perceber que a fome também se mostra como inimiga latente. Essa que invade barrigas em barracos onde “ficar em casa” significa não poder sair para garantir o pão de cada dia. Um sentimento muito diferente de se ficar em casa enfastiado pelo tédio de não se saber o que fazer ao longo do dia. 
 
Ainda há muitos outros que não falecerão pelo vírus, não perderão seus empregos, não sentirão a barriga roncar de fome, mas, mesmo assim, sairão feridos dessa batalha. De alguma forma, estejamos entre os falecidos, falidos ou feridos, essa pandemia nos afeta ou afetará a todos.
 
As crises escancaram as interioridades, revelam as maldades ou as bondades, munem de pedrões ou de perdões, evidenciam o potencial humano para repudiar ou acolher, para abandonar ou cuidar. Nas situações extremas, surgem inúmeras oportunidades de alavancar o bem para muito acima do mal. No entanto, infelizmente nem sempre assim se faz. 
 
Pode ser assustador constatar, em meio às dores, que há inúmeras intencionalidades do aproveitamento próprio, dos interesses políticos, religiosos e econômicos. Intencionalidades que se mostram em atos conscientes usurpadores, que contribuem para o aumento dos falecidos, falidos e feridos, algumas vezes tão letais quanto a Covid-19. Mas, ao mesmo tempo, a esperança de que as ameaças serão vencidas se renova e se mantém diante da afluência de um mar de gente samaritana, que caminha solidariamente entre as dores dos rastros deixados pela pandemia.
 
Gente samaritana é uma referência à parábola bíblica do Bom Samaritano (Lucas 10.25-37). Essa parábola foi contada por Jesus, ao responder para um perito da lei sobre quem seria o próximo, depois de ter ensinado “ame o seu próximo como a si mesmo”. Na parábola, havia um homem viajando em uma estrada. Ele caiu nas mãos de assaltantes, que tiraram suas roupas, o espancaram quase até à morte e se foram. Alguns transeuntes, ao passarem por aquela estrada, se depararam com a tragédia daquele homem. Um deles, um sacerdote, quando o viu, passou pelo outro lado da estrada. Assim também um levita, ao ver o homem moribundo, desviou-se do caminho.

O samaritano, cidadão de Samaria, ao chegar naquele lugar e ver o homem desfalecendo em dores, teve piedade dele. Parou sua viagem, fez por ele o que pôde, enfaixou-lhe as feridas, derramou nelas vinho e óleo. Depois o colocou sobre o seu próprio animal, o levou para uma hospedaria e cuidou dele. No dia seguinte, seguiu viagem, mas antes pagou ao hospedeiro o devido valor pela estadia e deu recomendações de que seguisse cuidando daquele homem, pois pagaria todas as despesas quando voltasse. Ao final da parábola, Jesus pergunta ao perito da lei: “Qual destes três você acha que foi o próximo do homem que caiu nas mãos dos assaltantes?”. Ele rapidamente respondeu: “Aquele que teve misericórdia”. E a recomendação de Jesus para ele foi: “Vá e faça o mesmo”.

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A parábola é uma lição de humanidade, ao clarificar que a misericórdia nos coloca na relação com o próximo. Nessa proximidade relacional com o outro, aciona-se o potencial da nobreza, de um caráter que mostra os valores mais consistentes para a vida humana. Quando a morte assola a humanidade, o que mais se precisa é de gente samaritana com suas expressões de misericórdia. Em meio à pandemia mundial atual, essa gente está, em grande parte, nos hospitais, laboratórios, organizações e lares, mas também nos mais variados e inusitados lugares.
 
Samaritanos que caminham entre falecidos, falidos e feridos são todos aqueles que, mesmo arrolados nas estatísticas dos atingidos, mostram misericórdia. O termo “misericórdia” carrega o significado de “clemência” e “piedade”. Sua origem etimológica vem dos termos latinos miseratio, derivado de miserere, que significa “compaixão” e cordis, derivado de cor, “coração”.

Misericordiosos são pessoas cujo coração bate em favor do miserável. Sabem partilhar tanto das próprias dores e dissabores como do seu tempo, vestimenta, alimento, até mesmo se for o último pedaço de pão. São solidários, não pela ausência de dores em si mesmos, mas por compreenderem que o alívio se faz presente na partilha da alma e da vida com o próximo. Essa partilha, que se mostra no repartir da intervenção, do conhecimento, do cuidado, do trabalho, do afeto, do dinheiro, da comida, da água, de uma máscara ou de um frasco de álcool em gel. Como comenta Vera Shoenardie, em uma reunião de amigos em encontro virtual durante o distanciamento social: “São pássaros feridos que cantam a Deus! Nele confiam mesmo quando o céu está encoberto de densas nuvens. E ainda têm forças para olhar com compaixão e generosidade para a dor e a necessidade do outro. Que a graça e a misericórdia, daquele que acompanha nossa jornada estejam entre nós!”.
 
Os samaritanos que caminham entre os falecidos, falidos e feridos estão em todos os lugares, nos hospitais, nos lares, nas ruas, nas igrejas e nos mercados. São os pais que cuidam dos filhos, filhos que cuidam dos pais, irmãos e amigos que se cuidam, mas também sabem olhar para além, por seus vizinhos e colegas, para outros povos e nações. Além de visualizar as necessidades do lar, mantém suas lentes ampliadas para as misérias da rua, bairro, cidade, estado, país e mundo. Essa gente samaritana vai ensinando para a sociedade atual – que já foi classificada por tantos pensadores como a sociedade do espetáculo, do desempenho, da ideologia do sucesso, da liquidez, da falência da solidariedade, das relações descartáveis e do reino do dinheiro – que o foco é outro. 

A postura samaritana enfatiza que, como habitantes do planeta, somos uma comunidade humana que tem como premissa o cuidado de uns aos outros. Parece que os solidários caminhantes entre os falecidos, falidos e feridos proclamam, em grandioso som, com seus atos de misericórdia, qual deveria ser a verdadeira religião. Aquela declarada pelas Sagradas Escrituras: “Religião de verdade, que agrada a Deus, o Pai, é esta: cuidem dos necessitados e desamparados que sofrem e não entrem no esquema de corrupção do mundo sem Deus” (Tiago 1.27, A Mensagem).
 
Cuidar dos necessitados e desamparados, e não se render aos esquemas de corrupção, poderia salvar o planeta, não somente dessa pandemia por causa do novo coronavírus, mas também da pobreza e da violência, que promovem igualmente muitos falecidos, falidos e feridos. Que a afluência dessa gente samaritana siga em expansão, e mesmo que também ferida, seja protagonista do achatamento gráfico da curva dos falecidos, falidos e feridos nessa crise. E que, posteriormente, quando a pandemia tiver sido vencida, a sociedade possa ter alcançado uma nova classificação: a sociedade da solidariedade.
 
• Clarice Ebert é psicóloga (CRP08/14038), terapeuta familiar e de casal, mestre em teologia, professora em cursos de pós-graduação, supervisora de casos clínicos, palestrante e escritora.

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