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Opinião

Protestos sem utopia

Penso que as “manifestações” ocorridas no cenário político brasileiro recente sejam, na verdade, nada mais do que “protestos”. A manifestação, como o próprio termo diz, é a revelação de algo que estava inacessível à percepção. Por exemplo, o homem manifestou (ou revelou) sua paixão por uma determinada mulher. Ou seja, trata-se de algo teórico, subjetivo, imaginativo (vamos chamar de utópico), que é posto a descoberto, tornando-se concreto, “encarnado”.

Baseio esta minha reflexão no trecho de um livro1 que estou lendo. O referido trecho, que transcrevo a seguir, é uma citação das palavras de Alexandre Franco de Sá:

Ao homem de hoje, ao “senhor do ente” [Heidegger], capaz de realizar a utopia, já nem sequer uma “impostura utópica” pode entusiasmar. E é este fim da utopia política que assinala o fenômeno mais fundamental para a caracterização da situação política hodierna: num mundo totalmente mobilizado, a total incapacidade de mobilização (2004, p. 78).

Na verdade, a esperança utópica que se tinha, continua o autor, foi canalizada para longe da política e para perto da ciência e tecnologia. Eu diria que, no caso do Brasil, também para a economia. A ideia é que, se a tecnologia for devidamente estimulada e a economia estiver bem, os brasileiros estarão bem (ilusão essa que, aliás, não é oriunda daqui, mas “copiada” de outros países, particularmente, dos Estados Unidos).

O livro todo fala da importância da utopia, ou seja, do vislumbre de um não-lugar, para além do aqui e agora, para se configurar, planejar e, pasmem, também para pôr em prática a educação (tema que é recorrente em minhas palestras Brasil afora e que não tenho como aprofundar aqui).

O que importa frisar é que, na falta de desenvolvimento da habilidade natural do ser humano de sonhar, projetar e imaginar a realidade, em um sentido transformador, a humanidade apela para o que em alemão se denomina “Ersatz”, ou seja, substitutos, que passam a fazer o papel abandonado do utopismo, a partir de bases materialistas. E um desses substitutos é a tecnologia, que passa a “modelar” o futuro e concretizar os ideais humanos; e outro, muito relacionado a esse é a economia, que passa a ser o “termômetro” do bem-estar e, portanto, pensa-se, da felicidade humana na terra.

No entanto, um elemento vive se metendo nesses prognósticos da sociedade ideal que “ainda não” se instalou, mas que há de se instalar:

... se tal partido ganhar as eleições;
... se, portanto, tal promessa partidária for cumprida;
... se não restar mais nenhum analfabeto no Brasil;
... quando alcançarmos o pré-sal;
... quando o Brasil se desenvolver economicamente;
etc, etc.

Tal elemento perturbador é a “corrupção humana”, velha conhecida dos brasileiros. Então, o que podemos fazer na falta de verdadeiras utopias e projetos para o Brasil (não estou falando de elucubrações teóricas sobre os vários aspectos dos problemas brasileiros que temos de sobra)? Resta-nos o protesto cego e extremamente vulnerável a se tornar em violência pura. Contra o quê? Tantas coisas que perdemos a conta e o foco.

Mas no lugar dessas coisas (palavra usada no mesmo sentido de acima?), a favor de quê estamos mesmo nos manifestando? O que caracteriza a nossa utopia positiva? Não se sabe: é uma incógnita.

Então, o que quero dizer? Que já basta de protesto: ele já fez barulho suficiente. Agora, alcançado o ponto de saturação, virou moda e ameaça banalizar-se. Protesta-se contra tudo e contra todos. O que se espera como resposta? Poucos parecem saber ou sequer parar para ouvir alguma resposta (se é que alguma está sendo dada).

Precisamos urgentemente de utopias, de sonhos de futuro, tais que comecem já. Para mim, o Brasil parece um adolescente, que é naturalmente “do contra”, na fase de escolha da carreira que irá seguir. E para isso, é preciso que ele descubra, qual a sua vocação nas diversas instâncias da sociedade. Qual é a vocação do Brasil? Qual a visão concreta para ela? Eis a pergunta que, penso, deve ser a próxima a ser colocada, a menos que queiramos sucumbir no caos político e social.

Nota
1. Trata-se de “Figuras do Imaginário Educacional para um Novo Espírito Pedagógico” (Lisboa: Instituto Piaget, 2004), dos autores portugueses Alberto Filipe Araújo e Joaquim Machado Araújo, que me foi recomendado por um amigo querido.

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Legenda:
Marcas de vandalismo cometidos por grupos radicais em protestos no Rio de Janeiro em junho deste ano. Foto: Tânia Rêgo/ABr
É mestre e doutora em educação (USP) e doutora em estudos da tradução (UFSC). É autora de O Senhor dos Anéis: da fantasia à ética e tradutora de Um Ano com C.S. Lewis e Deus em Questão. Costuma se identificar como missionária no mundo acadêmico. É criadora e editora do site www.cslewis.com.br
  • Textos publicados: 68 [ver]

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