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Opinião

Olhares suspeitos

“... prasa a Deus que o governo olhe para o futuro, como deve, para objecto de tanta monta, que impeça a um estrangeiro (como o Doutor Kalley, súbdito britannico) de pregar doutrinas novas, acendendo uma guerra religiosa, como a que fermenta a ilha [da Madeira] há alguns annos, e que vem de rebentar com tanta força no dia 9 de agosto ultimo” (Diário do Rio de Janeiro, Quarta-feira, 25 de novembro de 1846 – Anno XXV – N. 7566).

Estas palavras foram ditas pelo editor do jornal “Diário do Rio de Janeiro”, num tom de pedido a Deus, para que o governo brasileiro impedisse a entrada de estrangeiros que trouxessem “doutrinas novas” que acendessem uma guerra religiosa no Brasil. O apelo não surtiu efeito, pois o “britânico” (que era, na verdade, escocês) chegaria ao Rio de Janeiro no ano de 1855, cerca de dez anos depois, anonimamente aos olhos do governo, embora tenha sido reconhecido por um madeirense nas ruas da corte.

Robert Reid Kalley passou pela Ilha da Madeira como missionário presbiteriano, atuando como médico e pregador (1842-1846). Abriu um hospital para a população empobrecida, ensinou a ler por meio das Escrituras e fundou uma igreja presbiteriana. O movimento cresceu e se tornou ameaçador à hegemonia católica, sobretudo a partir da conscientização religiosa e política que os camponeses adquiriram contra as elites. Deu-se a perseguição, Kalley teve a casa incendiada, fugiu travestido de mulher e os madeirenses protestantes dispersos para diferentes regiões como Estados Unidos, Havaí, África e Brasil.

Desde a edição de 11 de abril de 1845 que o “Diário” noticiou e comentou sobre os conflitos religiosos ocorridos no então potentado português, foram sete edições que enfatizaram os distúrbios causados pela atuação do doutor. Trata-se de uma importante fonte para a história do protestantismo devido a alguns motivos:
  1. Registra a repercussão que teve a passagem de Robert Reid Kalley na Ilha da Madeira para o mundo da época;
  2. Traz uma interpretação diferente aos fatos como os protestantes narraram, pois foi feita por um jornal de orientação católica;
  3. Demonstra que Kalley já havia sido noticiado no Brasil dez anos antes de sua chegada;
  4. Os conflitos na Madeira anunciavam mudanças nas relações internacionais do período.
Por sua vez, há, aqui, pelo menos duas questões a serem consideradas. A primeira é que precisamos pesquisar e conhecer a história do protestantismo sendo críticos aos triunfalismos das narrativas escritas pelos próprios protestantes. A segunda diz respeito ao necessário embate entre versões em conflitos para a produção da “verdade” histórica, esta sempre situada e sujeita a novas interpretações.

No nosso caso, conhecemos o relato a partir do viés de Kalley e dos seus biógrafos posteriores, que deram cores próprias à narrativa, dando ênfase à perseguição sofrida por causa da pregação do evangelho. Os conflitos foram religiosos, políticos e econômicos, que envolveram questões diplomáticas. Kalley, intempestivo, agiu como um agitador social por conta de sua autonomia e fervor evangélico. Sofreu represálias dos próprios presbiterianos e anglicanos ligados às elites da Ilha. Entretanto, os madeirenses pobres viviam tempos difíceis, com êxodos populacionais causados pelos conflitos de terras e, neste caso, religiosos também.

Na interpretação do jornal, a perspectiva foi a da restauração da ordem pública, baseada nos tratados estabelecidos entre Inglaterra e Portugal que proibiam a pregação religiosa por parte dos súditos nas duas nações. Além disso, os recursos impetrados por Kalley para receber indenização pelos danos sofridos na sua prisão e expulsão da Ilha não foram atendidos. Kalley foi tido como alguém que desobedeceu a um tratado internacional, acendeu a guerra religiosa, além de ser herético.

O modo de se escrever história exige a acuidade metodológica de se olhar os olhares. São os “olhos de madeira”, de Carlo Ginsburg. Esta mesma atitude procede quanto à interpretação das Escrituras, a exemplo das três narrativas acerca do reinado de Acaz (2 Rs 16.1-20; 2 Cr 28.1-28; e Is 7.1-16). Afinal, quem foi este rei?

Quanto mais “verdade”, melhor para o Reino, embora nem tanto para as verdades institucionais.


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Lyndon de Araújo Santos é historiador, professor universitário e pastor da Igreja Evangélica Congregacional em São Luís, MA. Faz parte da Fraternidade Teológica Latino-americana - Setor Brasil (FTL-Br).
  • Textos publicados: 35 [ver]

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