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Opinião

O Salmo 90 e a fugacidade da vida

“O homem, nascido da mulher, é de poucos dias e farto de inquietação. Sai como a flor, e murcha; foge também como a sombra, e não permanece. Visto que os seus dias estão determinados, contigo está o número dos seus meses; e tu lhe puseste limites, e não passará além deles. Desvia-te dele, para que tenha repouso, até que, como o trabalhador, tenha contentamento no dia que ganhou. Porque há esperança para a árvore que, se for cortada, ainda se renovará, e não cessarão os seus renovos. Se envelhecer na terra a sua raiz, e o seu tronco morrer no pó, ao cheiro das águas brotará, dará ramos como uma planta. Porém, morto o homem, é consumido. Sim, rendendo o homem o espírito, então onde está ele? Como as águas se retiram do mar, e o rio se esgota, e fica seco...” (Salmo 90 / Jó 14. 7-11 - selecionados).

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Seria infantilidade nossa querer administrar a esperança sem coragem e dedicação, pois, além do fatalismo presente em todas as correntes do pensamento moderno, ainda encontramos o ceticismo que constataremos em Graciliano Ramos, por exemplo. Os seres do seu mundo literário são em geral desgraçados, criaturas na contramão do destino, humilhados e destroçados. Não encontram sentido para a vida, não se associam nem se solidarizam em movimentos de ascensão espiritual.
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A desgraça da má consciência predomina e revela os perigos de relações sociais reduzidas tão somente à coisificação e lixo do ser humano, na sociedade opulenta, sem compaixão, dos dias atuais. Oculta o desespero íntimo por trás da apatia quanto ao destino do ser humano. Depois de usadas, as pessoas são jogadas fora ou perecem sem descobrir o sentido de suas existências, nessa sociedade. Este é o verdadeiro inferno existencial que os últimos dois séculos impuseram. Mais recentemente, o espaço virtual se encarrega de golpear mais fundo a mesma questão. Nas redes sociais, a negação de sentidos para a vida parece ser uma constante.
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De outro modo, a falta de definição e especificidade no mundo remete ao enigma, à escuridão e ao mistério no qual todos podem encontrar lugar, por mais triste, depressivo, desconfortável, que possa parecer. Não é o consumismo superficial, irresponsável, nem o sucesso pessoal ou empresarial, nem a internet, que preenchem o sentido de nossas existências ou que identificam pessoas vitoriosas. Há um sentido oculto, na vida humana, mesmo que admitamos viver num mundo egoísta e sem misericórdia.
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O Salmo 90 descreve a imagem da fugacidade humana. A vida passa depressa. Num abrir e fechar dos olhos a vida se evapora como uma imagem não capturada num átimo. Como fotografias que não conseguem reter o tempo em sua sucessão contínua. Na semeadura da vida (v.5-6), compara-se o homem à erva do campo. Toda carne é como o capim... (Isaías 40.6). Uma vez semeado, o capim cresce depressa, e mais rapidamente desaparece.
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Imagem da fugacidade da vida humana, na Palestina, como em tantos lugares do planeta, há ervas que nascem, crescem e morrem em poucos dias. Pensemos também no sertão nordestino, na seca descrita por Luiz Gonzaga: Quando olhei a terra ardendo /Qual fogueira de São João /Eu perguntei a Deus do céu, ai /Por que tamanha judiação /[...] Que braseiro, que fornalha /Nem um pé de plantação (sobrevive) /Por falta d'água perdi meu gado, morreu de sede meu alazão...
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No segundo momento (v.7-11), entram dois temas novos: os pecados do homem e a ira de Deus. Do início (v.7a) ao fim (v.11a) fala-se da ira de Deus pela falta de compaixão, de solidariedade entre os homens. A morte é vista, não como consequência do viver, mas como resultado dos erros; resultado da punição divina. Os pecados da humanidade estão diante de Deus. Aquilo que mais escondemos, por causa da miséria humana, sob o egoísmo e individualismo, já não é mais segredo, é relevado totalmente, é despido diante de Deus (v.8). Escancaram-se a fome, o desamparo dos mais pobres, a injustiça e a desigualdade, maus-tratos e abusos da mulher e da criança, a violência doméstica, o ódio racial ou social, a xenofobia, a homofobia, a insensibilidade quanto aos excluídos e marginalizados.
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O que resta da atitude de exaltar a si próprio por causa da longevidade e da produtividade humana? O homem gostaria de ser recompensado, desfrutando sua vida, mesmo no breve dia-a-dia, compensando sua pequenez com o pagamento em alegrias diárias, consumindo a felicidade, mesmo que artificial e passageira. Há uma expressiva multidão de “especialistas” para atendê-lo em felicidade religiosa, felicidade sexual, felicidade amorosa e felicidade química que, em coro, propagam e reforçam o mito da salvação individual.
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A vida é passageira. A vida vegetal transporta o rizoma, que reproduz as mesmas características em cada fruto, depois de morto. Não é assim no homem, uma vez na terra, à qual retorna ao fim de seus dias. Envolvido pelo pessimismo existencial (Jean Paul Sartre escreveu nas 700 páginas do livro “L’etre et le néant” que o homem vem do “nada”, um "absurdo" que retorna ao “nada”), o homem se desfaz e vira pó. A felicidade da longevidade, a vida que se estende pelos prados e campinas irrigadas pelas correntes das águas, é contraditada pela morte inevitável. Só a morte é contemporânea do próprio cosmos. Estrelas morrem, o sol morrerá em 6,5 bilhões de anos. O que fazer, então?
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No passar dos anos o homem amadurece, e com o tempo o cultivo e crescimento da sensatez. O restante sobre a vida – um segredo ou um mistério – pertence a Deus. Então, modestamente, com humildade, resta pedir o equilíbrio na balança precária da existência humana. Em outras palavras, devemos aceitar o fato de que a vida humana é frágil e passageira. Temendo a Deus, a eternidade do bem e da misericórdia passa a ser compreensível. Fazendo isso, adquirimos a sabedoria solicitada em oração. Ou seja, compreendemos o sentido da vida. Depois, voltando para Deus, pedindo compaixão (v.13), reconhecendo que todas as coisas saíram dele (v.2), poderemos suportar a ideia da finitude de todos os seres. Inclusive de nós mesmos.
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Qual é o conteúdo da súplica? O que o orante pede a Deus? Basicamente algumas coisas. A primeira é um coração sensato (v.12). O orante parece aceitar resignadamente o tempo de vida que lhe cabe, sem ilusões como as que se instilam nos dias atuais para doentes terminais, “qualidade de vida”... Mas o que pode esperar um ancião de 95 anos com câncer, quando pede a seus filhos e netos que autorizem o desligamento dos aparelhos que o mantém artificialmente vivo? (Rubem Alves). Sensatez, acima de tudo, é o que pede a Deus. Os bens que compensam as desgraças na vida são os valores ancestrais que passam de geração em geração, como ensina o Eclesiastes.
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Será que Deus não terá compaixão daqueles que ele gerou e pôs no mundo? A tarefa confiada ao homem é semelhante ao compromisso público de um governante. Um homem será julgado pelo que tiver feito. Especialmente se ele viveu na presença e companhia de Deus. A fraqueza aparente de Deus pode ser a verdadeira força que redime e resgata o universo. Sim, os sofrimentos advindos do testemunho desesperador das realidades humanas, de fato, induzem a desacreditar da misericórdia, da Graça, do cuidado de Deus. A fascinação pelo abandono aos sofrimentos, às desgraças que envolvem a vida humana, dilaceram qualquer homem ou mulher que crê ou não crê -- embora pareça que o crente deva sofrer mais. Porque este, que não é apático, cínico ou fatalista, espera em Deus pela salvação.
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Então, a esperança ocupa o mundo interior da alma. A alegria de ver o avanço da justiça, da igualdade nos direitos fundamentais, é também a alegria de esperar contra todo desespero, desânimo, apatia, como fez Abraão. Enquanto isso, amar, ter compaixão, usufruir da Graça, representam a alegria livre, para que todos reconheçam a mensagem principal da fé: a vida humana tem sentido e finalidade. Um cristão, como qualquer outro crente, se reportará à companhia de Jesus. Sua vida se pautará na ressurreição, todos os dias, testemunhando-a nos quatro pontos cardeais. Assim, a vida fecunda, as obras da fé o acompanharão pela eternidade (Apocalipse 14.13: “Felizes os que dormem no Senhor, seus feitos os acompanharão pela eternidade”).
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O ser humano experimenta a finitude – como todos os seres da natureza–, existe para morrer, não importa se crente ou não crente. Quando nasce já está começando sua trajetória para morrer. “A morte é minha possibilidade mais pessoal, mais autêntica, e mais absurda, ao mesmo tempo”, teria dito Rudolf Bultmann sob grande inspiração. Porque todas as ressurreições são possíveis no caminho da fé, afirmando a eternidade da vida.
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Isso não é uma crença para o que se nos reserva para além da vida biológica, ou física. Não é no fim da vida que vou experimentá-la, porque a morte está presente em minha vida, em todo o tempo de minha existência. Mas, sou chamado constantemente a contemplar o que Deus faz com a vida, anulando a morte, fazendo ressurgir a vida enquanto renova o homem: “Vem Espírito, e renova toda a criação” (Jacy Maraschim/Flávio Irala), e o crente, então, pode orar: “Senhor, inclua-me entre os ressurretos”. Todos os dias.

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Quem tem um pé no infinito pode aceitar sua finitude  
É pastor emérito da Igreja Presbiteriana Unida do Brasil e autor de livros como “Pedagogia da Ganância" (2013) e "O Dragão que Habita em Nós” (2010).
  • Textos publicados: 94 [ver]

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