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Por Escrito

Jane Austen e a Bíblia: a influência da Lei de Moisés na obra Orgulho e Preconceito

Por Marcelle Vieira Salles

Nas últimas décadas, devido principalmente às inúmeras adaptações cinematográficas e televisivas de suas obras, Jane Austen (1775-1817) deixou de ser reconhecida apenas como uma escritora que viveu na Inglaterra da Era Georgiana (1714-1830) para tornar-se um tipo de celebridade mundial. Tendo em vista a ascensão da figura da escritora no mercado editorial e cultural, publicações recentes tecem análises esotéricas a respeito da biografia mais íntima de Austen, tendo como principal objetivo apresentar uma personalidade mais palatável a um público cada vez menos afeiçoado à literatura clássica, cujos interesses parecem refletir um espírito cultural marcadamente pós-estruturalista. 

Ao analisar a biografia de Jane Austen é fundamental o reconhecimento da religião cristã em suas bases familiares, assim como do sistema social e normativo no qual ela se estabeleceu. Austen era filha do Reverendo Anglicano George Austen (1731–1805), clérigo da Igreja de São Nicolas em Steventon, interior da Inglaterra1. Nesse contexto, é preciso reconhecer também que, em decorrência ao relacionamento orgânico existente entre a Igreja Anglicana e a sociedade da época, não é correto separar os enredos literários dos romances de Jane Austen em distintas esferas seculares e religiosas. Suas obras criticam as falhas humanas e as instituições comandadas por homens, contemplando casamento, sociedade, sistema legal e o clero. Austen, por compreender bem a respeito da natureza humana decaída, soube registrar com maestria as falhas humanas em suas narrativas, tendo como base as Escrituras Canônicas, além da herança teológica e filosófica neoclássica que recebera2. A historiografia de Austen aponta que, durante as noites, ela e seus parentes frequentemente reuniam-se para ler romances, poesias e sermões de pregadores famosos3, assim como pequenas peças ou contos que ela já costumava escrever. Antes de se retirarem para seus aposentos, eles também liam Salmos e orações formuladas pelos membros da família4
 
Entre as inúmeras regras que regiam a Era Georgiana, sociedade em que viveu Jane Austen, havia a concepção de que, por haver diferentes capacidades naturais entre os sexos, deveriam existir também distinções de direitos entre homens e mulheres. Um dos exemplos refere-se à lei da primogenitura ou morgadio, que previa que propriedades fossem transferidas ao filho mais velho com a morte do pai. Esta lei tinha por objetivo manter a posse de bens na linhagem central da família e, desta forma, nenhuma divisão da propriedade entre os irmãos mais novos era permitida. Aos demais filhos a lei autorizava a distribuição de quantias em dinheiro ou bens pessoais de menor valor5. Em geral, se o pai de uma moça falecesse, ela poderia contar com o apoio financeiro dos irmãos, mas esse ideal não sendo concretizado, a saída mais digna para a mulher seria casar ou ser remunerada como governanta, professora de escola feminina, dama de companhia, criada ou ainda, escritora6.
 
Em relação ao legado de Jane Austen é possível identificar grande influência da cosmovisão cristã em suas obras, seja nos aspectos concernentes à valorização da moral, quanto no que tange às similitudes com narrativas bíblicas. A obra Orgulho e Preconceito (1813), por exemplo, apresenta como uma das principais temáticas a expressão do sistema legal que regia o processo de herança imobiliária da Era Georgiana – o morgadio, remetendo à releitura de uma das histórias descritas no Antigo Testamento. No início de Orgulho e Preconceito, Austen nos apresenta cinco irmãs solteiras, cuja propriedade em que moravam, Longbourn, seria transferida automaticamente para um primo distante do seu pai quando este último viesse a falecer. Tal fato era algo alarmante, especialmente à Mrs. Bennet, mãe de Jane, Elizabeth, Mary, Kitty e Lydia, que queixava-se “amargamente da crueldade de arrebatar o patrimônio de uma família com cinco moças em favor de um homem indiferente a todos”7. Mrs. Bennet personificava o dever de toda mãe em esmerar-se para que suas filhas casassem, mesmo que não viessem a ser felizes. 
 
Anteriormente à obra Orgulho e Preconceito, existiram cinco mulheres que estavam sendo destituídas igualmente do direito de herança, em consequência da lei de primogenitura masculina, pelos costumes da Antiguidade. O relato verídico desta ocorrência está disponível no Antigo Testamento, mais precisamente no livro de Números, capítulo vinte e sete. Neste texto consta o panorama das cinco filhas de Zelofeade, descendentes de José, filho do patriarca Israel. Macla, Noa, Hogla, Milca e Tirza foram solicitar a Moisés e às demais autoridades israelitas que lhes fosse concedida uma parte das terras do seu pai, que acabara de falecer sem deixar descendentes homens. A semelhança do enredo e da quantidade exata de mulheres que se encontram desamparadas pelas regras de sucessão que regem sociedades separadas por milênios atestam a relevante influência bíblica sobre a escrita austeniana. 
 
A narrativa evidenciada em Números registra que, após escutar a queixa fundamentada das cinco filhas de Zelofeade, Moisés levou a demanda delas ao SENHOR, o qual respondeu: “As filhas de Zelofeade falaram corretamente. Dar-lhe-ás, portanto, uma propriedade que será a herança delas no meio dos irmãos de seu pai; lhes transmitirás a herança do pai. Determinarás, então, aos israelitas: se um homem morrer sem deixar filho do sexo masculino, transmitireis sua herança a sua filha (...). Isso será para os filhos de Israel um decreto de direito, conforme o SENHOR ordenou a Moisés”8
 
Em contrapartida, na saga Orgulho e Preconceito, o desfecho conferido por Austen à injustiça praticada contra as mulheres da época, já não pode se assemelhar ao relato bíblico. Muito distantes da Teocracia vivenciada pelas cinco filhas de Zelofeade, apenas o casamento poderia salvar Mrs. Bennet e suas cinco filhas de um despejo, na iminência do Mr. Bennet falecer. Destino que não foi imposto às filhas de Zelofeade e que, muito provavelmente, se mostrava como um paradigma desejável a ser alcançado pelas mulheres da geração de Austen. Apenas décadas após a morte da escritora, a Inglaterra corrigiu o terrível erro jurídico e institucional concebido no morgadio, passando a considerar as mulheres também como herdeiras diretas em relação às propriedades, quando o progenitor, marido ou parente exclusivo viessem a falecer.  
 
Dessa incrível associação reproduzida por Austen, é possível refletir a respeito da Justiça constante de Deus, o que pressupõe aos cristãos a oposição pacífica às arbitrariedades praticadas contra os mais fracos na sociedade, obedecendo sempre aos mandamentos do SENHOR9. O exemplo das filhas de Zelofeade e tantos outros notáveis que fizeram valer sua qualidade de herdeiros do Altíssimo nos impele a mostrar ao mundo que fomos criados para a Glória Dele, com valores iguais, independente dos papéis outorgados a homens e mulheres ao longo dos séculos.

• Marcelle Vieira Salles é casada com Roberto e mãe de Elisa. Mora em Belo Horizonte e congrega na Igreja Esperança, onde auxilia no Ministério das Mulheres. Integra o corpo editorial da Revista LiterAusten, periódico dedicado aos estudos, pesquisas e ensaios referentes ao legado da escritora Jane Austen.

Referências
1. HAYKIN, M. A. G. Oito Mulheres de Fé. São José dos Campos, SP. Fiel, 2017. Versão Kindle.
2. GIFFIN, M. Jane Austen and Religion: salvation and society in Georgian England. New York, NY. Palgrave MacMillan, 2002, p. 2.
3. Um dos autores mais referenciados nas biografias de Jane Austen, além do seu próprio romance Orgulho e Preconceito, é James Fordyce por meio de sua obra Sermons to Young Women.
4. Disponível em: https://janeaustensworld.wordpress.com/2017/07/19/exploring-jane-austens-prayers/
5. COLLINS, M.B. The Law of Jane: Legal Issues in Austen´s Life and Novels. Persuasions Online. Disponível em: http://jasna.org/publications/persuasions-online/vol38no1/collins/
6. SALES, A. O universo feminino nas obras de Austen. Disponível em: http://www.periodicos.letras.ufmg.br/index.php/emtese/article/viewFile/3731/3695
7. AUSTEN, J. Orgulho e Preconceito. Tradução Lúcio Cardoso. São Paulo: Abril Cultural, 1982, p. 80.
8. Bíblia Sagrada. Versão King James Atualizada. Abba Press Editora e Divulgadora Cultural Ltda. 1ª Edição, 2012, p.333.
9. Disponível em: https://www.atendanarocha.com/2017/12/a-heranca-das-filhas-de-zelofeade.html

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