Uma noite de chuva

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Bom dia. Estou no meu trabalho, onde passei a madrugada. Uma noite fria de outono, muito chuvosa. Quero deixar registrado um caso que atendi hoje. Ele mostra o nível de saúde que temos neste país.

Trabalho em um PA que tem um bom prédio, mas não tem apoio de exames de espécie alguma. O diagnóstico é feito somente na anamnse e exame físico. Nada de ultrassom, laboratório, raio X ou apoio matricial especializado. Há uma semana atendi uma senhora de 84 anos com fortes dores abdominais. Fiz uma forte analgesia e consegui estabilizar a paciente. Orientei exames complementares. Pelo SUS ela levaria de 6 meses até um ano para fazer os exames. Pagou uns dois mil reais e conseguiu fazer os exames em menos de uma semana. O problema não é médico, e sim gerencial. Ela usou o sistema particular de saúde, onde havia rapidez e agilidade no atendimento. No SUS há uma lentidão e uma burocracia estatal, inexplicável. Há poucos profissionais contratados diante da universalidade e gratuidade proposta pelo SUS. A falta de gestão e de investimento justifica que o que está escrito no papel não tenha aplicação prática eficaz.

Resumindo, minha paciente teve dor abdominal por causa de um aneurisma dissecante e trombosado da artéria aorta abdominal. O aneurisma poderia romper a qualquer momento e ela morreria de hemorragia interna incontrolável. O sistema particular resolveria seu problema por 60 mil reais. Eles não possuem este valor e recorreram a porta de entrada SUS para internação e cirurgia. O diagnóstico já foi encontrado. Então, a porta estava fechada. Chegou ao meu PA, após sete dias, com exames e dor abdominal. Aciono o PS do hospital referência na cidade mais próxima. O plantonista me diz que não resolutibilidade para o caso naquele hospital. Tento falar com o hospital maior e mais próximo. Não consegui estabelecer comunicação. Talvez a chuva tivesse molhado os fios da linha telefônica. Sem comunicação com o hospital de apoio 2, liguei ao falado SAMU. Eles me orientaram a central de regulação de leitos. Liguei para a CRL estadual, conforme indicado. Esta central não resolveu e liguei para a central de leitos norte e nordeste de SC. Ali nada resolveram.

Enquanto isto o tempo passa e a fila na sala de espera aumenta, mas há um protocolo de acolhimento de Manchester que justifica a demora do atendimento. Por isto o paciente se chama paciente. Haja paciência para tudo isto. E vidas estão em jogo. Não está em jogo a seleção canarinho. Está em jogo a vida humana neste pão e circo. Sem nada resolver, aguardo e a central de regulação do SAMU me liga. Passei o caso para a central e nada foi resolvido. Acabei com a bola na mão e por pouco não saiu um gol contra. Sem o que fazer, a paciente foi para casa esperar a morte. Embora tenha 85 anos, é forte. Teria uma boa sobrevida com a cirurgia. Assim, espera em casa a morte e a ruptura do aneurisma. Ela não tem acesso aos grandes hospitais que os políticos têm, como Albert Einstein ou Sírio-libanês.

Este é apenas um caso. Eu teria muito mais para contar, mas vou ficar por aqui. Estes são os dias que vivemos, onde a vida humana não vale nada. Mas o pão e circo da copa está começando. Jesus nos diz para orar pela salvação das autoridades. Só assim teremos dias melhores. Isto é certo, mas uma utopia. Não vão se converter. O apocalipse prova o que digo. Não se resiste às autoridades, que é rebeldia. O caminho é o martírio e a coroa de glória. A Palavra é correta e dura, principalmente num mundo cada vez mais corrompido. A idéia SUS é muito boa, mas sua prática não é boa. O evangelho é bom, mas impraticável no nosso mundo. Abraços. Desculpem o desabado.

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Opinião do leitor