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Palavra do leitor

Nashville, capital do country e de um pedaço da história dos batistas brasileiros.

Quarta-feira, 14 de junho de 2017. Ainda meio atordoado pelo pouco sono estico minha mão esquerda até o telefone que está no criado mudo do meu quarto, no dormitório dos estudantes de pós-graduação da Universidade de Princeton. Sou um doutorando em história e as horas de arquivo e o muito café ralo daqui parecem estar mesmo me deixando um pouco aéreo demais, principalmente pelas manhãs. No meu telefone celular um twitter da revista "The Atlantic" chama minha atenção. É um artigo assinado por Emma Green com o título: "Uma resolução condenando os supremacistas brancos causa caos na Convenção Batista do Sul". Eu já sou a quarta geração de Batistas na minha família (embora me tenha debandado para o lado presbiteriano em algum momento da vida) e notícias assim, naturalmente, chamam a minha atenção. Logo me vem uma ideia típica de historiador: A Convenção Batista do Sul certamente tem um arquivo. Uma rápida pesquisa na internet e sim, lá está o arquivo da Convenção Batista em Nashville, Tennesse.

O arquivo ocupa todo o quarto andar do prédio da convenção na capital do Country. Em sua página na internet a descrição da biblioteca-arquivo diz que o acervo "inclui milhares de livros, anais das associações e convenções Batistas, arquivos de Jornais Batistas, gravações de áudio e vídeo, fotografias, panfletos, arquivos, manuscritos, microfilmes de material da história Batista e uma ala climatizada de bíblias raras datadas no início do Século XVII". O que a descrição não diz é que, além de inúmeras fotos de Billy Graham, o arquivo da Convenção Batista guarda também os documentos da International Board Mission, mais conhecida no Brasil como "Junta de Richmond", o braço missionário que nasce junto com a Convenção Batista do Sul, em 1845.

As igrejas Batistas estavam mais ou menos agrupadas em uma única convenção, a "Triennial Convention", e quando o diácono de uma igreja do Sul teve seu pedido de ser enviado como missionário negado pela convenção – que era dominada pelas igrejas do Norte – 293 igrejas do Sul reuniram-se em Augusta, Georgia, fundaram a Convenção Batista do Sul e com ela a sua junta de missões, a International Mission Board ou "Junta de Richmond". O detalhe é que o diácono sulista foi impedido pela convenção Triennial de ser enviado como missionário porque era senhor de escravos e a Triennial enxergava uma contradição entre o fato de se ter escravos e pregar a palavra de Deus. A Convenção Batista do Sul nasce então para defender o direito do fiel a ambas as coisas. Os primeiros missionários são enviados para a China ainda em meados do século XIX, no contexto mais amplo da "política de portas abertas" implementada pelo governo americano. Já no início do século XX o presidente americano Theodor Roosevelt adota uma política externa de maior ação americana no cenário global, dando início ao que muitos chamam de imperialismo Yankee. Ele entende que é papel dos Estados Unidos destruir a barbárie e levar a civilização "o missionário, o mercador e o soldado, cada um tem um papel a desempenhar nesta destruição e na consequente restruturação dos povos", disse Roosevelt. Assim intensifica-se o papel da junta em todo o mundo, inclusive no Brasil onde em 1882 já haviam chegado os primeiros missionários.

Mas o que despertou meu interesse pelos arquivos de Richmond não foi a curiosidade profissional de historiador, confesso, foram razões afetivas. Minha mãe nasceu em uma pequena cidade no sul do estado do Piauí, Corrente, e sua conversão assim como a de seus pais e de seus avós são fruto do trabalho desta missão. Não só isso, ali a missão estabeleceu ainda o "Instituto Batista Industrial", que mais tarde tornou-se "Instituto Batista Correntino", nos idos anos 20 do século passado. Nesta escola, que se tornou referência na região, minha avó lecionou, meus pais se conheceram e eu estudei por dois anos, entre a terceira e a quinta séries. Minhas memórias afetivas, de histórias contadas e vividas, impulsionaram-me a querer saber se ali, nos arquivos em Nashville, poderia estar contada um pouco da história dos Batistas do sul do Piauí e, consequentemente, um pouco da minha história.

Assim, na quarta-feira dia 14, dia em que sonolento vi a matéria da "The Atlantic", mandei uma mensagem para meu tio e outra para minha mãe, pedindo a eles o nome de todos os missionários que eles lembravam de ter vivido em Corrente. Na página da internet do arquivo há como fazer a pesquisa online para localizar arquivos. Minha mãe, que estava em Corrente - onde a internet ainda é "inconstante" - só conseguiu me mandar os nomes na sexta-feira. Olhando os nomes na página do arquivo, constatei que estavam todos lá. Havia material de cada um deles no arquivo. Decidi que iria a Nashville. Mandei uma mensagem para minha mãe falando de minha descoberta. Nunca soube direito a reação dela. Ela morreria no dia seguinte.

Depois da morte de minha mãe pensei muito se deveria ou não ir a à Nashville. O que mais doía não eram as memórias do passado, era o futuro roubado. Doía saber que ela não ouviria as histórias do que eu porventura fosse descobrir. Doía saber que eu não ouviria as interjeições típicas dela. Mas eu fui. Segunda-feira, 18 de novembro de 2017 eu entrei na sede da Convenção Batista do Sul e me dirigi ao quarto andar.

Fiquei espantado com o volume de correspondências do missionário Zachary Taylor, pioneiro do trabalho Batista no Brasil, com sua caligrafia rebuscada e seu amor à missão. Suas cartas são referência necessária para quem quer entender melhor o início da Igreja Batista no Brasil. Em uma carta de 2 de novembro de 1903 ele diz "Escrevi sobre minha viagem a Valença, Santarém e a outros lugares. 3 batismos e uma reconciliação na igreja em Valença. Amanhã vou para Vargem Grande e a outras igrejas naquela área(..) talvez já tenha falado da organização da igreja na cidade de Castro Alves com 28 membros em outubro". Em tempos de mega-templos e cultos midiáticos, confesso que me emocionei com o entusiasmo do missionário com seus 3 batismos e uma reconciliação, com a igreja de 28 pessoas. Era um trabalho difícil, amiúde. Deparei-me ainda com fotos de batismos em Manaus e na Bahia no início do século passado, com documentos do início do seminário Batista em Recife e com uma foto da 1a convenção Batista em Salvador, em 1907. Mas tudo isso vi por acaso. Afinal o foco de minha pesquisa era outro.

Sobre os missionários em Corrente, muito material havia, e este material em alguns casos confirmou histórias contadas por meus antepassados e em outros revelou-me novas tramas. É emocionante ver a humanidade saltar das páginas, como no trecho da carta de uma missionária em 3 de setembro de 1934 "Nós temos 108 dos melhores garotos e garotas que você poderá encontrar matriculados em nossa escola. A cor deles, via de regra, é um pouco mais escura do que a dos americanos, mas a cidade aqui é composta basicamente por gente branca, logo eles não são tão mais escuros, e nós temos aprendido que a cor é de menor importância, é o coração e o caráter que fazem a pessoa". O artigo da "The Atlantic" que me fez procurar os arquivos falava da ainda hoje latente tensão racial nos Estados Unidos, era interessante ver que a pequena vila de Corrente tinha ensinado a uma missionária do Sul que a cor é algo de menor importância. Em outro ponto, ela fala de que como seu marido passava meses pregando no interior, era ela quem cuidava do gado, reparava as cercas, fazia o trabalho que, em outras condições, seria o trabalho do homem. Em um artigo publicado no Jornal Batista da Convenção do Sul, datado de 1929, uma outra missionária narra uma viagem de 300 quilômetros, no lombo de mulas, para ir ao dentista. Fala de como no caminho ela e o esposo aproveitaram para pregar o evangelho e da presença de lontras no caudaloso Rio Preto. Foi interessante perceber o protagonismo dessas mulheres missionárias e de como novas condições também possibilitaram a elas novos papéis e espaços sociais. Foi emocionante pensar na cidade de minha mãe, de meus avós, antes mesmo de que eles nascessem, de saber que em um dia de 1935 um avião cortou os céus a 60 quilômetros de Corrente mas que o susto foi tamanho que uma mulher morreu e que muitos correram à igreja católica "procurando abrigo junto a seus ídolos."

Enfim, é abundante o material existente no arquivo sobre a igreja Batista no Brasil. Escrevi este artigo na esperança de fazê-lo melhor conhecido e para que outras pessoas possam ter, assim como eu, a possibilidade de se surpreender com este arquivo. Certamente você encontrará ali um grande número de documentos que o ajudarão a entender a história da denominação Batista no Brasil. Só não posso garantir que terá experiências tão pessoais quanto a minha, que encontrei em uma carta de uma missionária em Corrente para outro missionário, que atuava ali mas estava de licença nos Estados Unidos, a seguinte Frase: "Eva, Ady e Edy estão grávidas". Edy era minha avó. Pela data da carta, estava grávida de minha mãe. Eu só gostaria de ter mostrado isto a ela. Ela certamente vibraria.

Site do Southern Baptist Historical Library and Archives http://www.sbhla.org/info.htm

Gostaria de agradecer à equipe do Southern Baptist Historical Library and Archives pela acolhida e pela ajuda em localizar os materiais necessários. Também a Onésimo Nogueira e João Mádson Nogueira por me ajudarem a viabilizar a viagem. Por fim a meu pai que me incentivou a seguir a diante, apesar da dor.
Brasilia - DF
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