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Palavra do leitor

A vida e a meia de nylon

Desde cedo descobri o significado de importar-se por alguém exageradamente com minha avó. Essa era a maneira de se importar comigo – exageradamente. Talvez por ser o primeiro neto, era unânime na família o discurso de que eu fui o queridinho da vovó. Pra mim tudo era permitido, nada de regras e de "nãos". Se meu pai pensasse em algum tipo de correção e ela descobrisse o seu pensamento, o vitorioso sempre era eu, claro. Não sei se fiz por merecer, provavelmente não, mas era o seu jeito de demonstrar o quanto me amava. Quando fiquei adolescente nada mudou, aliás mudou sim, ela passou a ser minha confidente. Costumo dizer que muitos "segredos" tornavam-se de fato quando eu contava a ela. Era só pedir: "vó, isso ninguém pode saber"! Pronto, o assunto era só entre nós dois. Não tinha pai, mãe, irmão,... nada, era segredo nosso. Certamente morreu com ela assuntos da minha infância, que pela futilidade eu esqueci, mas ela não. Qualquer coisa que eu precisasse guardar, sem que ninguém mais soubesse, ela tinha seus esconderijos. Eram tão bem elaborados que com o tempo sua mente a traia e nem mesmo ela lembrava onde estava. Na juventude mudou? Também não. Se antes ela conseguia colocar em prática todas as suas medidas protetivas, agora estava um pouco mais complicado. Na verdade era o peso da sua idade que se contrapunha com a minha independência. Porém, não pense que pra vó Maria isso era problema. Não! Embora limitada fisicamente, não era problema atravessar as madrugadas em claro aguardando eu chegar em casa. Dizia que quando ouvia o barulho no portão, e logo após a chave tocando a fechadura da porta, a tranquilidade e o sono se achegavam como bons amigos. Amigos, isso é que nós éramos. Engraçado que somente depois de muito tempo eu consigo entender isso. Talvez seja pela falta desse tipo de comprometimento entre as pessoas, tão escasso em nossos dias.
Quando ela estava bem velhinha era eu quem acompanhava as idas ao médico. Eram outros tempos. Havia um mato com um pequeno córrego por onde tínhamos que passar. Ela, um tanto debilitada sofria com o cansaço e a respiração ofegante, então precisávamos andar devagar para vencer os obstáculos e chegar ao nosso destino. Algumas vezes eu passava esse trajeto com ela no colo. Íamos conversando. Ela nervosa e com medo de eu derrubá-la, mas feliz pela nossa cumplicidade. Dizia que isso ela já havia feito por mim. De fato, em todos os sentidos, me carregou no colo durante toda a sua vida. Em 14 de outubro de 1993, com 79 anos, encerrou-se aqui a sua jornada. Lembro-me de todo o processo do seu envelhecimento até sua morte. Foi doloroso conviver sem sua presença.
Porém, depois de tanto tempo, é incrível perceber como ter vivido plenamente ao lado de alguém em reciprocidade de sentimentos, me fez tão bem. Obviamente que o caminho natural da vida é aprendermos com todas as circunstâncias que nos é proposta. Confesso que depois de 23 anos a vó Maria me deu mais uma lição. Fez-me lembrar de que exagerado ou não, só é eterno o amor. Tudo o mais é nada e vira pó. Fez-se necessário exumar o seu corpo para transferirmos os seus restos mortais para outro lugar. Pouco restou, praticamente seus ossos e uma meia de nylon. Compreendi que por maior que seja o esforço contra a ação da natureza, muito pouco resiste ao tempo por tanto tempo. Há que se retornar ao pó, de onde viemos e dar razão a quem disse: "...vaidade, tudo é vaidade." Cá estou eu de novo carregando a vó Maria. Não mais no colo, mas em um recipiente que pesa menos de 5 kg com ela dentro. Meu Deus!!! É só isso que somos?? E por quanto tempo ainda?? Se eu demorasse um pouco mais provavelmente só restaria a meia de nylon? Ainda bem que não! Quando em vida se constrói um bom caminho, ficam para a posteridade as lembranças e as lições de amor e cumplicidade. Isso é o que nos faz superiores ao próprio tempo, e assim, a vida continua!
Caxias Do Sul - RS
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